“Os coreógrafos portugueses são muito livres”

Portugal foi este ano o país em foco no DañsFabrik. O importante festival de dança francês achou que havia “uma nova história a contar”, a da dança portuguesa após a crise, explicou o director Matthieu Banvillet.

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Mathieu Banvillet, director do festival DañsFabrik DR

Matthieu Banvillet, o director do festival DañsFabrik, que nesta sétima edição escolheu Portugal como país em destaque e ali apresentou cinco artistas escolhidos por Tiago Guedes, ficou surpreendido com a liberdade de uma paisagem coreográfica que se estende do statement político à instalação animista, do folclore às danças urbanas e aos fantasmas do butoh. E acredita que um lugar como Brest, que ao longo das últimas décadas mostrou ser uma plataforma incontornável para a dança francesa, também pode fazer a diferença para os artistas portugueses. 

Depois do Líbano, da Grécia e do Chile, Portugal foi o país em foco no festival Dañsfabrik. Por que é que este zoom vos pareceu pertinente agora? 

Além do desejo de descobrir ou de explorar um território desconhecido, as razões que explicam a escolha do país em foco a cada edição do DañsFabrik são sempre uma mistura de várias coisas: intuição, cumplicidades, preocupações… Neste caso, porém, eu diria que foi sobretudo a convicção de que se passa qualquer coisa em Portugal: um ressurgimento, um ressalto, após os anos da crise que nos privaram, por exemplo, do contacto com uma artista até então muito presente em França como a Vera Mantero, que estivemos quase dez anos sem ver. Achámos que havia uma nova história a contar e foi isso que tentámos fazer.

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Peça Os Serrenhos do Caldeirão: exercícios em antropologia ficcional , de Vera Mantero Luís da Cruz

Com que impressão se fica do estado da dança portuguesa, a partir da amostra que aqui foi apresentada?

O que mais me impressionou foi constatar que os coreógrafos portugueses são muito livres no seu trabalho. Não há nenhuma formatação, nem da forma nem do conteúdo, e isso é extremamente entusiasmante. Claro que é interessante constatar certos traços comuns, como a tracção da palavra, da documentação e da memória que pode aproximar dois trabalhos tão singulares como os da Vera Mantero e da Cláudia Dias; ou a relação com o canto e com um património ancestral, arcaico, que, de novo, tanto está na peça da Vera Mantero como na da Ana Rita Teodoro, que aparece várias gerações depois. Mas é importante sublinhar que esta amostra é o resultado do olhar subjectivo do Tiago Guedes — e devo dizer que ele nos fez um programa muito astuto, nomeadamente ao justapor diferentes gerações da dança portuguesa, o que permite a quem está de fora imaginar filiações e rupturas dentro de uma narrativa colectiva.

O que é que a presença num festival como o DañsFabrik pode proporcionar a estes cinco artistas em estádios muito diferentes da evolução da sua carreira?

Ao longo deste anos, percebi que, surpreendentemente, estes focos nacionais criam uma comunidade — há um antes e um depois, viu-se isso nas edições anteriores, em que os artistas estabeleceram aqui ligações e laços de solidariedade que se revelaram importantes a posteriori, de regresso a casa. Mas, fundamentalmente, o que este festival garante a quem aqui se apresenta é um bónus de visibilidade que pode significar novas oportunidades de difusão. O DañsFabrik está muito implantado em França, temos muitos programadores a visitar-nos e muita atenção da imprensa: há uma reacção em cadeia que dificilmente se produz no contexto de uma apresentação isolada e que faz toda a diferença .

O PÚBLICO viajou a convite do Teatro Municipal do Porto

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