O pai contemporâneo, uma figura ainda em construção

“As grandes transformações sociais decorrem muito das necessidades”, salienta Albino Lima, professor da Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade do Porto.

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Num estudo que envolveu 189 pais, Albino Lima viu que “muitos novos pais queriam repetir o modelo, mas muitos outros queriam fazer diferente, estar presentes, ter um papel activo" Nelson Garrido

A igualdade em matéria de responsabilidades parentais ainda é mais uma esperança do que uma realidade na sociedade portuguesa. A figura contemporânea de pai está ainda a construir-se. 

O conceito de paternidade é alvo de debate e de estudo, pelo menos, desde o século XIX. O pai tradicional assumia as funções de ganha-pão. Cabia-lhe também desempenhar o papel de autoridade e disciplina. A mudança para um pai mais sensível, mais presente, mais compreensivo, mais responsável pelos cuidados diários, começou a acontecer na segunda metade do século XX.

“As grandes transformações sociais decorrem muito das necessidades”, salienta Albino Lima, professor da Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade do Porto. “A entrada das mulheres no mercado de trabalho, a diminuição do número de filhos, o maior investimento nos filhos, o aumento exponencial do número de divórcios, as políticas de apoio à família, tudo isto faz com que a gestão da casa e dos filhos seja mais discutida e que o pai comece a participar mais.”

Os padrões de continuidade coexistem com os traços de mudança. Nos padrões de continuidade, Sónia Vladimira Correia, professora da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração da Universidade Lusófona, em Lisboa, destaca “a persistência do papel de ‘mãe ideal’, o recurso à figura feminina como ‘a peça central’ nos cuidados às crianças (‘a’ mãe, ‘as’ avós, ‘as’ tias, ‘as’ babysitters, ‘as’ educadoras, ‘as’ professoras…), a naturalização da competência feminina para os cuidados às crianças (‘instinto maternal’, ‘apelo biológico para a maternidade’) e, finalmente, a atribuição ao pai do papel secundário nos cuidados aos filhos”.

Nos traços de mudança, aquela mesma investigadora aponta “o divórcio e a separação, a definição de mulher desligada da experiência da maternidade", mas também "a atribuição de importância ao papel do pai na vida dos filhos (presença nos cuidados, criação de espaços de proximidade afectiva, organização de momentos de lazer, etc)", a emergência da "paternidade cuidadora e interventiva como parte integrante da identidade do homem", e, por fim, "a negociação e partilha nos cuidados à criança”.

Não há uma definição única do que é ser pai hoje em Portugal. “Vão confluindo não um papel, mas diferentes papéis de pai”, torna Albino Lima. "Este pai está a tentar posicionar-se perante si próprio (enquanto pai o que é esperado que eu faça?) dentro de um determinado contexto sociocultural."

Nos vários estudos que tem feito, aquele investigador nota que o pai continua a desempenhar um papel relevante na dimensão autoridade/disciplina, sobretudo no que diz respeito aos rapazes. Assume, porém, cada vez mais responsabilidades nos cuidados básicos, nas actividades do dia-a-dia, no apoio emocional, que tradicionalmente competem às mães.

Parece-lhe fundamental ter em conta que as relações são dinâmicas. Um dos seus estudos, que envolveu a participação de 346 crianças entre os oito e os dez anos, indica que “quando mais um pai assume responsabilidades – e as mães o permitem, porque muitas acham que este é um espaço muito delas – mais os filhos ficam satisfeitos”. Até porque quanto mais interage, mais competente se sente para o fazer. E quanto mais seguro, mais satisfeito.

Os pais têm tendência a seguir o modelo dos seus pais. Por outras palavras: os homens perspectivam-se como pais em função das experiências positivas ou negativas que tiveram enquanto filhos. Num estudo que envolveu 189 pais, Albino Lima viu a mudança a acontecer: “Muitos novos pais queriam repetir o modelo, mas muitos outros queriam fazer diferente, estar presentes, ter um papel activo".

Fazer diferente, avisa, não quer dizer abandonar os tais modelos. Fazer diferente – pai e mãe ou mãe e mãe ou pai e pai ou mãe só ou pai só – é encontrar um novo equilíbrio entre o apoio e o desafio.

Pais e mães desempenham papéis complementares. “As mães tendem a ser mais apoiantes, os pais mais desafiantes”, diz. “Se pensarmos no que é o desenvolvimento humano, tem de haver um equilíbrio entre o apoio e o desafio. Se os pais forem demasiado apoiantes, não há desafio, não há desenvolvimento. Se o desafio não tiver suporte, apoio, também não há desenvolvimento.”

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