Ferro, vidro e plantas. A nova vida da Estufa Grande

Foi um dos primeiros edifícios do género em Portugal. O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra volta a abrir-lhe as portas, depois de um processo de reabilitação que começou em 2013.

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O director do Jardim Botânico da UC, António Gouveia, e o arquitecto João Mendes Ribeiro Adriano Miranda

Quem entra na renovada Estufa Grande do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (UC) depara-se com um espelho de água, num espaço anteriormente preenchido por um canteiro com árvores. A superfície líquida ao nível do solo reflecte a estrutura de ferro fundido e vidro que lhe dá cobertura. É esse lago que vai receber em breve a planta mais icónica do jardim. A Victoria Régia, um nenúfar com folhas redondas de grandes dimensões, anteriormente alojada ao lado, numa estufa menor.

Na próxima terça-feira, dia 20, a Estufa Grande do Botânico reabre as portas para mostrar as novas feições. As alterações desenhadas pelo atelier do arquitecto João Mendes Ribeiro vão para lá da reorganização do espaço e da estética. Numa visita ao edifício, o arquitecto e o director do Jardim Botânico, António Gouveia, explicam ao PÚBLICO o que mudou, terminada a intervenção arrancou em 2013 e foi reconhecida em 2017 com um Prémio Nacional de Reabilitação Urbana.

Ao longo do tempo, a estufa foi sofrendo alterações e acrescentos, conforme a funcionalidade. Mendes Ribeiro foi resgatar a transparência do edifício ao projecto original do século XIX, da autoria do engenheiro Pedro José Pezerat.

De há umas décadas para cá, os vidros começaram a ser caiados, para melhor controlar a exposição solar. “O grande problema destes edifícios em Portugal não é tanto o Inverno, é o Verão. Arrefecer é mais difícil”, explica António Gouveia. No entanto, este método “obrigava a uma grande manutenção. Era preciso caiar todos os anos”, acrescenta Mendes Ribeiro. A vidraça de três milímetros de espessura foi substituída e os novos vidros com capa térmica tiveram de ser cortados um a um para encaixar na estrutura.

A recente intervenção aumentou a eficiência energética e o controlo da luminosidade passou a ser automatizado, com estores que se vão recolhendo ou estirando conforme a exposição solar. A ideia dos estores também foi recuperada à fase inicial da estufa, explica o arquitecto, enquanto exibe uma imagem do edifício de 1902. A diferença é que o sistema deixou de ser manual. Até 2013, a gestão fazia-se consoante a sensibilidade do jardineiro. Agora, completa o director, há sensores a medir a temperatura e a humidade e o edifício reage.

O projecto de reabilitação começou por um trabalho de pesquisa sobre a história do espaço, explica Mendes Ribeiro. Com o propósito inicial de albergar plantas tropicais, a construção da estufa teve início em 1859 e foi um dos primeiros edifícios de arquitectura de ferro no país. As referências vieram da estufa de Kew Gardens, em Londres. “No século XIX havia uma grande variedade de plantas que interessava perceber, que só podia crescer em condições controladas que Portugal não oferece”, lembra António Gouveia.

Uma planta que é "o panda" do jardim

A planta aquática que por norma suscita mais curiosidade a quem visita o jardim assume assim uma centralidade que não tinha. Victória, que oferece as suas formas ao logótipo da instituição, tem “laivos do exotismo do século XIX”, que ajuda a atrair visitantes, reconhece António Gouveia. "Os jardins também se agarram aos seus 'pandas'". Plantado por esta altura do ano, o nenúfar gigante (pode aguentar com uma criança até 40 quilos) proveniente da Amazónia ficará no lago central, também em condições controladas. "A Victória precisa de temperaturas de água superiores a 20 graus" e atinge o seu pico em Agosto, quando produz uma flor que dura apenas um dia, conta.

Devido ao seu carácter efémero, a vitória é plantada todos os anos. A pequena estufa que lhe servia de casa foi demolida. “Era dos anos 1940, feita em cantoneiras de ferro. Não tinha qualidade construtiva e estava completamente podre”, justifica João Mendes Ribeiro.

A galeria de betão que rodeava o interior do compartimento central da Estufa Grande foi substituída por uma mais leve, metálica, acessível através de escadas em caracol. A estrutura anterior foi acrescentada na década de 1950 e, tal como então, o espaço foi agora reorganizado para se adaptar às novas utilizações.

António Gouveia recorda que em 1959 a preocupação ao desenhar o edifício não passava pela abertura a eventuais visitantes. Eram “espaços funcionais, de trabalho e investigação, que não tinham esse propósito de abrir e mostrar às pessoas”, resume. Tanto que também não havia grandes preocupações estéticas nem de variedade nas plantas.

No entanto, num jardim do século XXI, para além da componente de investigação, há também um trabalho de “educação e de sensibilização” da comunidade a fazer, explica o responsável. Por isso, o interior foi reorganizado e os canteiros desaparecem de duas das alas da estufa. “Apenas a ala poente é desenhada” dessa forma. É lá que, tal como acontecia antes, “estão as plantas de regiões mais húmidas e quentes”. Sobre esta questão, António Gouveia sublinha a relevância de ter “plantas tropicais que vemos no supermercado mas que não sabemos de onde vêm”. E prossegue: “Por mais que queiramos ser mais assépticos ou pensar só cientificamente, é um ponto importantíssimo de divulgação”. Há também uma preocupação com a conservação de espécies ameaçadas, salienta.

A secção nascente não estava climatizada, uma opção que se manteve. “Originalmente era uma zona temperada, com plantas que crescem em zonas como os Açores, como fetos arbóreos, que não precisam de muita luz nem de muito calor, mas que não aguentam geadas nem o frio”. A ala é agora preenchida por plantas ornamentais em vasos, como orquídeas ou begónias. Contudo, parte do pavimento em pedra mantém-se desocupada. A área, que já acolheu um concerto, vai ter “um carácter mutável”, destinada a receber eventos e exposições, refere.

Depois da inauguração no âmbito da Semana Cultural da UC - a decorrer de 1 de Março a 28 de Abril -, a abertura ao público vai arrancar com visitas marcadas a horas específicas em Abril. A informação ficará disponível no site do Botânico. A entrada será paga, mas o preço ainda não está definido.

A intervenção, que incluiu a envolvente da estufa e teve um custo de dois milhões de euros, contou com o financiamento do QREN/Mais Centro. A reabertura acrescenta mais um espaço visitável ao jardim, depois da abertura de um percurso que liga a Alta à Baixa da cidade de Coimbra através da mata do Botânico.

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