Ou se baixam as propinas ou se reforçam as bolsas de estudo

Falta avaliar o modelo de financiamento do superior. É preciso perceber se o esforço que se está a pedir às famílias para terem os filhos a estudar é excessivo. Quem o diz é Maria de Lurdes Rodrigues, na sua primeira grande entrevista como reitora.

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Miguel Manso

Foi eleita com dois terços dos votos do conselho geral numa eleição em que um dos anteriores vice-reitores, Nuno Guimarães, também era candidato. Sinal de que o ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa “queria uma mudança de ciclo”, diz a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, a primeira mulher a dirigir esta instituição.

Nos últimos anos, o discurso dos reitores tem estado marcado por questões financeiras. É impossível escapar a essa dimensão?
É muito importante que as universidades assumam uma voz diferente na definição das políticas de ensino superior, tendo iniciativa e não apenas reagindo às propostas dos governos. Há uma questão de fundo que não é de gestão nem de conjuntura política: o modelo de financiamento. Em 1996 estabilizou-se este modelo de financiamento do ensino público, bipartido, entre as famílias e o Estado. Até hoje, não foi avaliado para se perceber o seu impacto sobre a democratização do ensino superior. Precisávamos de perceber em que medida um modelo de financiamento, assente na capacidade económica das famílias, está a impedir-nos de alargar a base de acesso ao superior. Precisamos de perceber se a Acção Social é suficiente para compensar o esforço que as famílias fazem.

E se as propinas são ou não excessivamente elevadas?
Também. Em que medida as propinas estão a impedir-nos de, por exemplo, atrair a outra metade dos estudantes que conclui o ensino secundário e não vai para o superior?

A avaliação da OCDE defende que a solução está em atrair mais estudantes do ensino profissional. Parece-lhe que é por aqui o caminho?
A situação é mais evidente no caso dos alunos que terminam os cursos profissionais, mas existe uma parte dos alunos dos cursos científico-humanísticos que não prossegue estudos e uma percentagem de adultos que precisamos de qualificar.

Parece-lhe então que a questão se põe mais do lado das condições financeiras?
A nossa ambição tem de continuar a ser a de alargar a percentagem de jovens que aos 20 anos está a frequentar o ensino superior. Há dois caminhos: ou se procura uma solução no modelo de financiamento actual, mexendo nas propinas e no esforço público, ou é preciso aprofundar a Acção Social.

É adequado o modelo de acesso ao ensino superior?
O acesso é um pouco como o modelo de financiamento. Foi instituído há 30 anos e não voltou a ser revisitado. Ao contrário do que acontecia no passado, hoje temos segmentos para o acesso ao ensino superior — ensino profissional, cursos científico-humanísticos, mais de 23 anos... — que não existiam. É natural que o modelo tenha em atenção estas especificidades.

Está em cima da mesa uma proposta de redução em 5% das vagas das instituições com sede em Lisboa e no Porto no próximo ano. Concorda?
O país tem um problema de desigualdade territorial que afecta o sistema educativo. Não podemos ter um discurso de crítica a esta desigualdade e depois não aceitar propostas que têm como objectivo promover a coesão. É muito importante que se lancem medidas de discriminação positiva que permitam um desenvolvimento mais equilibrado do país.

Esta é a medida certa?
Essa é outra discussão, assim como se este é o momento apropriado para ela. As universidades têm aqui também um papel de contribuir para o debate: se não é esta medida, então qual é?

Que balanço faz da adopção do estatuto de fundação pelo ISCTE?
Não faço um balanço definitivo, não tenho ainda elementos suficientes. Acho que o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) e o estatuto fundacional mereciam uma avaliação, nos termos que estavam previstos no diploma, que era cinco anos [que se cumpriram em 2012] após a sua publicação. Há alguns riscos no próprio RJIES e no estatuto fundacional que precisavam de ser mitigados.

Por exemplo?
O poder de tutela transita do Governo para o conselho de curadores e este não responde politicamente a ninguém. Quando acontecem problemas — e é da vida que aconteçam —, não há instância de recurso das decisões do conselho de curadores. No sector da Saúde, quando em 2013 foi aprofundada a autonomia dos hospitais — e as universidades têm muito mais autonomia do que os hospitais — foi criada a Entidade Reguladora da Saúde.

Falta uma entidade reguladora ao ensino superior?
Não sei se reguladora, mas falta uma instituição de recurso; caso contrário, o modelo configura uma privatização e não foi isso que se pretendeu com o RJIES e com o estatuto fundacional.

É a primeira reitora do ICSTE e a sua equipa tem quatro mulheres e dois homens. Era importante dar este sinal?
O mundo é constituído por metade homens, metade mulheres. O ISCTE é constituído por metade homens, metade mulheres. O facto de estas estarem afastadas de lugares de responsabilidade não é uma coisa natural.

Mas têm estado. Esperava que isto acontecesse numa sector em que é suposto estar a inteligência da sociedade?
Não tem que ver com inteligência, mas com redes de sociabilidade que estão instituídas e se reproduzem. O esforço tem de ser o de remover os mecanismos e os obstáculos.

No final do ano passado foi notícia a avaliação negativa que teve na avaliação de desempenho enquanto professora da ISCTE. Em algum momento esse assunto condicionou o processo de candidatura a reitora?
Desde que entrei na carreira, em 1986, fui avaliada com provas públicas cinco ou seis vezes. Isso é, para os docentes do ensino superior, uma condição natural. Além disso, a avaliação de desempenho que é introduzida nos intervalos dessas provas públicas não oferece problemas na maior parte das instituições. O modelo do ISCTE tem problemas que precisam de ser corrigidos. Temos três plataformas de informação que temos de alimentar e que são redundantes.

Foi voluntário não apresentar a informação que levou à sua má avaliação?
Também tive problemas de saúde. Há momentos em que temos de escolher: ou dedicamos o nosso tempo a pequenas coisas, ou nos ocupamos de outras que consideramos importantes. O mais importante é afirmar a importância da avaliação, melhorar o que houver a melhorar.

O seu mandato como ministra da Educação ficou marcado pela questão da avaliação dos professores. Como é que olha para o seu legado a esta distância?
As coisas que gosto de recordar são o programa Novas Oportunidades; o que fizemos no 1.º ciclo, com a introdução do Inglês, a escola a tempo inteiro e as Actividades de Enriquecimento Curricular; a generalização dos cursos profissionais nas escolas secundárias; e o programa de modernização das escolas secundárias.

Continua a haver muitos críticos do que se passou há uma década.
Como há gente que elogia. Foram quase cinco anos de intensa actividade, com muitas iniciativas. E mantenho um nível de notoriedade que faz com que sejam imensos os elogios e imensas as críticas.

Como tem acompanhado a acção do Governo na Educação?
Foram tomadas medidas importantes no que respeita à avaliação de alunos, à inserção do ensino profissional na escolaridade básica e secundária e ao programa de combate ao insucesso escolar. Globalmente, o desafio que a Educação enfrenta é o da qualidade e da desigualdade. Temos um sistema que tem o melhor que se pode oferecer, mas co-existem ilhas em que a qualidade do ensino não é boa. Isso acontece em resultado da desigualdade territorial e económica e tinha de constituir uma prioridade para o país.

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