A encruzilhada sindical do nosso tempo

Terminar o monopólio sindical pode ser mais um trilho necessário a percorrer. Sendo fundamental proteger a sã existência dos sindicatos, estes devem assumir o seu papel na negociação coletiva, ao mesmo tempo que apoiam as comissões de trabalhadores nas negociações microeconómicas.

Com a revolução industrial os trabalhadores organizaram-se em sindicatos, cujo poder mobilizador assentava na necessidade de reequilibrar a relação laboral. Ao ler Adam Smith [1], e as suas referências a mestres e trabalhadores, percebe-se a diferença do hoje face ao século XVIII, e infere-se o papel cimeiro dos sindicatos na criação do nosso modelo social. Digno de enredos cinematográficos, o passado do movimento sindical foi glorioso, mas será que os sindicatos de hoje são dignos de se chamarem pelo seu nome?

Hoje o movimento sindical está esclerótico devido ao crescente desinteresse dos trabalhadores, em especial dos mais jovens. Em Portugal, os sindicatos atraem em média um a dois trabalhadores em cada dez, estando estes maioritariamente na última metade da sua carreira, e a trabalhar em grandes empresas detentoras de monopólios naturais [2]. Se nos anos 80, o nobel da literatura Bob Dylan [3] já criticava a fossilização dos sindicatos, hoje o fenómeno é mais claro, e urge questionar para que servem os sindicatos de hoje, e que legitimidade têm. Imputar ao processo de globalização a sua fatalidade, à parte da valia do argumento, tem por paralelo tentar parar o vento com as mãos.

Justificar a existência de sindicatos pela história, apenas lhes garante interesse museológico, que porventura os trabalhadores visitarão nos dias de descanso, que aqueles para estes conquistaram. Neste contexto, criticar os trabalhadores por fazerem free-riding, ou seja, beneficiar dos direitos negociados pelos sindicatos sem se sindicalizarem, demonstra a incapacidade do movimento sindical de enfrentar a adversidade que a igualdade laboral, que também advogam, lhes impõe. Num mercado em acelerada transformação, é natural que poucos sejam sensíveis a tais argumentos.

Hoje, parte do movimento sindical [4] propõe terminar com a extensão administrativa dos acordos negociados a todos os trabalhadores de determinado sector, se estes não pagarem pelo serviço sindical. À parte do debate sobre o impacto de tais extensões, a mudança propõe aplacar o problema de free-riding, e se porém sem fazer mais sindicalizados, pelo menos criando utilizadores pagadores. Embora possivelmente justo à prima facie, tal argumento não difere do tantas vezes usado para taxar serviços públicos, como por exemplo as SCUT. Sendo o movimento sindical o detentor do monopólio constitucional da negociação coletiva, tal não significará que aos trabalhadores restam duas hipóteses: ou pagar pelo serviço sindical, ou negociar individualmente os seus contratos? Será este o melhor caminho?

Depois de várias questões, surge a mais fundamental: o que fazer? Casos como as câmaras de despedimento da Altice, relembram-nos da necessidade dos sindicatos, e dá-los por escleróticos, espectros do que foram e, portanto, defuntos não parece ser o melhor rumo nesta Bastoigne sindical. A sua existência é hoje, como foi no século XIX, necessária especialmente num mercado laboral em acelerada mutação tecnológica, com uma crescente intervenção de inteligência artificial e robotização.

Assim, esta necessária revitalização, num contexto de igualdade, liberdade e democracia pode residir em conseguir criar valor para trabalhadores e desempregados, aumentando assim a representatividade sindical, reforçando a sua legitimidade, e tornando os sindicatos mais sensíveis a uma realidade mais ampla que as frações que hoje representam. Parte deste trajecto já é conhecido, mas não suficientemente explorado, passando pelos sindicatos se tornarem úteis service providers. Exemplos incluem subsistemas de saúde, como o SAMS, que justifica em parte adesões sindicais superiores a 60% no sector financeiro.

Além do apoio na saúde, a criação de seguros de desemprego, e complementos de reforma, seguindo o caso nórdico do sistema de Ghent, que atribui há decadas a gestão dos apoios em caso de desemprego aos sindicatos, pode ser um válido passo a ser explorado. Outro pode residir no papel dos sindicatos alemães no desenho da formação vocacional dos jovens, cujo sistema dual, ou seja, escolar com uma forte vertente prática através de estagios em ambiente empresarial, tem sido apontado como uma causa estrutural da baixa taxa de desemprego jovem alemã.

Neste processo de regeneração, terminar o monopólio sindical pode ser mais um trilho necessário a percorrer. Sendo fundamental proteger a sã existência dos sindicatos, estes devem assumir o seu papel na negociação coletiva, ao mesmo tempo que apoiam as comissões de trabalhadores nas negociações microeconómicas que ajustam ao caso concreto a lei laboral. Sem esta interligação, fundada na provisão de serviços de qualidade, dificilmente os sindicatos terão representatividade das realidades que subsistem no mercado, e remetem-se para um estado cada vez mais vegetativo que por feudos legais previsivelmente polarizará ainda mais o mercado de trabalho. Estarão os sindicatos preparados para, sem atalhos, calcorrear este desafio? Se não agora, quando?
 

Referencias:
[1] Adam Smith, 1776, A Riqueza das Nacoes, Capitulo 8
[2] Pedro Portugal e Hugo Vilares (2013), “Sobre os sindicatos, a sindicalização e o prémio sindical”, Boletim Economico, Banco de Portugal
[3] Bob Dylan (1986), “Union Sundown”, Album Infidels, Columbia Records. Website: https://bobdylan.com/songs/union-sundown/
[4] Carlos Silva (Abril 2016), entrevista ao Jornal de Negocios. Website: http://www.jornaldenegocios.pt/economia/emprego/detalhe/ugt_so_quem_paga_aos_sindicatos_deve_ter_premio

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