Sem multas até Junho, Costa e Marcelo vão limpar as florestas para dar o exemplo

Governo adiou prazo, mas não conseguiu explicar no Parlamento quando terá aeronaves disponíveis. Montepio aqueceu debate entre Negrão e Costa. A novidade? O Governo apresenta o pacote laboral no dia 23.

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Manuel de Almeida/Lusa

No último dia do prazo para os proprietários limparem os terrenos sem estarem sujeitos a coimas, o primeiro-ministro praticamente esvaziou o tema que ele próprio escolheu para o debate quinzenal, ao anunciar, logo ao início da manhã de ontem, que ninguém será multado até ao final de Junho, se ainda não tiver cumprido aquela obrigação. Em matéria de incêndios, acabou por ser um debate quase só com a revisão da matéria dada, com excepção de perguntas sobre a dificuldade do Governo de fazer contratos para ter aeronaves para o combate deste Verão.

Pelo meio dos assuntos laterais que as bancadas levaram ao plenário, veio um anúncio: depois de o PS chumbar (ou ajudar a direita a fazê-lo) todos os diplomas que a esquerda levou à votação na quarta-feira sobre matéria laboral, o Governo vai finalmente apresentar as suas propostas para a revisão do Código do Trabalho no próximo dia 23.

A conjugação de datas não podia ser melhor. Depois de semanas de pressão para que o Governo permitisse que a GNR não começasse a aplicar multas a partir de hoje, António Costa chamou a São Bento a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e, no final da reunião, anunciou que só em Junho as coimas serão aplicadas.

“A GNR prosseguirá a sua acção pedagógica e no final do mês [de Junho] começará a levantar os autos por situação de incumprimento”, disse o primeiro-ministro, acrescentando que ontem o Conselho de Ministros aprovaria um “decreto-lei que esclarecerá que não serão aplicadas coimas, se até Junho as limpezas não estiverem concluídas. O objectivo da campanha não é caça à multa”, insistiu. As multas previstas vão dos 280 aos 10 mil euros (pessoas singulares) ou até aos 120 mil (pessoas colectivas).

“A partir de hoje, a única diferença é que, legalmente, os municípios passam a ter o dever de entrar nos terrenos dos proprietários e fazer a limpeza, podendo cobrar aos proprietários a limpeza que não havia sido feita”, acrescentou. Vincou que o Governo não pretende aplicar sanções, mas sim que se faça “o essencial para a segurança da população”: a limpeza da floresta. Nem Costa nem o president da ANMP quiseram falar de números, mas ambos admitiram que, se muito foi feito, continua a haver “muito por fazer”.

“Se cada um fizer o máximo que lhe compete fazer, seguramente teremos um Verão com menor risco. O apelo que quero fazer é que todos ponhamos mãos à obra”, afirmou António Costa.

Cinco horas depois, no Parlamento, o primeiro-ministro fazia o mesmo desafio directamente a todos os deputados — repetindo, aliás, o que fizera com a deputada ecologista Heloísa Apolónia há duas semanas — e anunciava que, no fim-de-semana de 24 e 25 deste mês, o Presidente da República e o presidente da Assembleia da República se juntarão aos membros do Governo para uma “grande acção de limpeza da floresta”.

Na sua intervenção, o primeiro-ministro fez um balanço das medidas tomadas no âmbio da reforma da floresta, defendeu a necessidade da prevenção e voltou a repetir números para o reforço do combate — dos 500 novos sapadores florestais aos novos 600 elementos da GNR (500 do GIPS e 100 do SEPNA), passando pelos 200 novos guardas florestais e 79 equipas de intervenção permanente dos bombeiros, e mais elementos das Forças Armadas. A estes soma-se o reforço da rede SIRESP (com quatro novas antenas móveis e 451 antenas satélite nas zonas de maior perigosidade). E anunciou o lançamento de dois programas de prevenção e sensibilização, na próxima semana, denominados Aldeia Segura e Pessoas Seguras.

Mas quando chegaram as perguntas de Fernando Negrão e de Assunção Cristas sobre as aeronaves, Costa tentou fugir — porque um dos concursos ficou vazio e o Governo tenta agora remediar a situação. E à centrista, primeiro, respondeu que a intenção é ter 58 aeronaves “para o ano todo” — quando na verdade são apenas dez; depois corrigiu-se e explicou que não é possível adiantar nova data da adjudicação e, por isso, a data em que estarão disponíveis. Negrão insistiu na ideia de que “o Estado falhou às pessoas” e na descoordenação sobre as regras de limpeza dos terrenos. E Cristas perguntou como está a proposta do Governo sobre os incentivos fiscais para o interior — ideia avançada pelo CDS, mas chumbada no Parlamento pela esquerda — e Costa respondeu que o dossier está com o grupo de trabalho criado para o efeito.

Pacote laboral dia 23

A única novidade deixada por António Costa  veio numa resposta a Catarina Martins. A bloquista — tal como fez Jerónimo de Sousa a seguir — criticou o Governo e o PS, que chumbou na quarta-feira quase todas as propostas de revisão da lei laboral, quando o programa do Governo prevê o fim do banco de horas individual. “Então, quando? Porque não ontem?” Na resposta, o primeiro-ministro anunciou que o Governo apresentará no dia 23 um pacote sobre revisão da legislação laboral.

A falta de investimento público também rondou o debate. Começou com Fernando Negrão — “Quando é que a melhor conjuntura chega à Saúde?”, quis saber, apontando uma quebra de 25% entre 2015 e 2107 —, continuou com Assunção Cristas — que mencionou “a austeridade encapotada” nos hospitais, na ferrovia e na Ponte 25 de Abril — e com Jerónimo de Sousa. Costa respondeu com a “produção” de cirurgias e consultas na Saúde e citou o presidente do LNEC: “A ponte esteve segura, está segura e vai continuar segura.” O líder comunista aproveitou o tema para anunciar que o PCP entregou um projecto de lei para que sejam reduzidos os encargos e para reverter as parcerias público-privadas.

O debate aqueceu quando o tema Montepio foi introduzido por Fernando Negrão — que teve uma prestação mais combativa do que há duas semanas, na estreia como líder da bancada do PSD nos debates. António Costa insinuou “interesses particulares” do social-democrata no assunto, quando este pediu que as contas da instituição fossem tornadas públicas para se ver se foram “marteladas”, seja por causa do valor do banco, seja pelo alegado crédito fiscal de 808 milhões de euros. Negrão replicou com a tutela do Governo sobre o banco.

O último a saber

Também Catarina Martins criticou a “manobra contabilística” da Associação Mutualista Montepio e pediu explicações. Não a recebeu — e o mesmo aconteceu quando Cristas insistiu em saber quanto é que a Santa Casa vai aplicar no banco. Sem resposta clara ficou também Heloísa Apolónia, quando abordou no assunto da recuperação do tempo de carreira congelado dos professores.

Um assunto sério e caro ao Bloco e ao PCP acabou por proporcionar um momento de humor (ainda que com algum sarcasmo) entre a esquerda. A líder do BE quis saber quando entra em vigor a segunda fase do regime que reconhece as longas carreiras contributivas para o acesso à reforma. António Costa disse não ter resposta, mas prometeu-lhe que saberia “antes de todos” os outros deputados, e logo a seguir corrigiu para “antes de quase todos”, tentando evitar conflitos com o PCP. E garantiu que nada se fará sem o conhecimento prévio do BE, PCP e PEV.

Vinte minutos depois, tentando alegar que não há ciúmes, Jerónimo de Sousa insistiu no tema. O líder comunista disse não se importa “de ser o último a saber” e que o essencial é que a medida seja concretizada, para não continuar a ouvir queixas de que “o homem [Costa] não se chega à frente.”

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