António Costa em Estrasburgo: adiar as reformas só as tornará mais difíceis

O primeiro-ministro português apresentou esta quarta-feira, em Estrasburgo, a sua agenda europeia com duas prioridades: a reforma da zona euro e a negociação do próximo orçamento plurianual. Reconheceu as dificuldades, o que não justifica adiamentos.

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António Costa a discursar em Estrasburgo LUSA/PATRICK SEEGER
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Costa e Tajani em conferência de imprensa conjunta LUSA/PATRICK SEEGER

António Costa não falou da crise italiana no discurso sobre o futuro da União Europeia que fez esta quarta-feira em Estrasburgo, perante o Parlamento Europeu. Os primeiros-ministros não costumam analisar em público as crises internas dos seus parceiros europeus. Também não era preciso. Presidindo à sessão plenária do PE estava António Tajani, o presidente da instituição que foi a Roma nas vésperas das eleições italianas do dia 4 de Março, para ser apresentado por Sílvio Berlusconi como o chefe do governo italiano em caso de vitória eleitoral da aliança entre o seu partido e a Liga de Matteo Salvini (extrema-direita).

Tajani regressou a Bruxelas, quando a Liga obteve mais votos do que a Força Itália, ganhando o direito a ser ela a indicar um primeiro-ministro. Também nesta quarta-feira, em Berlim a chanceler Angela Merkel tomou posse do seu quarto governo, com o SPD (sociais-democratas), seis meses depois das eleições.

O primeiro-ministro português não fugiu no seu discurso às dificuldades que a Europa enfrenta. “Não há que ser complacente”. Mas são elas que acabam por atrasar um calendário que o Governo de Lisboa contava que fosse mais rápido.

Em Setembro do ano passado, Costa foi a Bruges, ao Colégio da Europa, apresentar a visão portuguesa do que deviam ser as grandes prioridades para o futuro. Faltava um elemento fundamental: as eleições alemãs. Em Estrasburgo, manteve as suas grandes prioridades para a agenda europeia, apenas adaptadas a uma realidade que é ainda mais complexa. A primeira diz respeito à reforma da zona euro, que considera fundamental para a sustentabilidade da moeda europeia a prazo, fornecendo-lhe os instrumentos para enfrentar as próximas crises de forma muito diferente do que o que aconteceu desta vez, a partir de 2009, levando a Europa a pagar um enorme custo para resolvê-la.

Sintonia com Macron

As suas propostas vão no sentido daquilo que o Presidente francês Emmanuel Macron defende. Mas falta saber ainda se Merkel, depois das dificuldades políticas por que passou nos últimos meses, vai ter margem de manobra para um compromisso com o Presidente francês que seja aceitável pela maioria dos países da zona euro. Estar coligada com o SPD pode ajudar. Por esta altura, Costa contava com uma clarificação que ainda não tem.

Depois de explicar a sua visão do euro, com maior partilha das responsabilidades e das decisões, António Costa insistiu sobretudo num ponto: não há zonas monetárias maduras sem um orçamento próprio. Ou seja, dar ao governo da união monetária uma capacidade financeira suficiente para agir em caso de crise assimétrica, mas também para financiar aquilo que, para ele, é o fundamental para a sua sustentabilidade: a convergência económica. Financiar reformas, mesmo que através de contratos calendarizados e quantificados, é um dos caminhos possíveis em que o primeiro-ministro tem insistido, indo ao encontro de um eventual compromisso que a chanceler alemã possa aceitar.

O seu conselho é simples: adiar as reformas só serve para as tornar mais difíceis. Pode ser a sua resposta às notícias, ainda não confirmadas, de que Merkel teria pedido um adiamento do debate sobre a reforma do euro, previsto para o dia 23 de Março, numa cimeira dos países membros que corre à parte do Conselho Europeu do mesmo dia. A questão continua na agenda oficial das reuniões. Merkel já desmentiu a notícia. Mas há a preocupação de que o tempo que levou a constituir o governo de grande coligação vai necessariamente repercutir-se nas próximas reuniões dos chefes de governo.

A segunda grande questão na qual o primeiro-ministro português insistiu é a negociação do novo orçamento da União Europeia para os próximos sete anos, a partir de 2021. O debate já começou com cada país a marcar a sua posição de partida. Não será fácil encontrar um consenso. O fim da contribuição britânica, uma das maiores, para os cofres de Bruxelas vai obrigar a uma outra repartição das contribuições nacionais.

Recursos próprios

A juntar a esta dificuldade está a necessidade de financiar novas políticas, sobretudo no domínio da segurança e defesa e do fortalecimento do espaço Schengen ou as políticas de imigração e de integração dos refugiados, que podem ser financiadas de duas maneiras: ou aumentando o orçamento ou reduzindo as duas políticas (agrícola e de coesão) que ainda hoje representam quase 70% do orçamento plurianual.

Antonio Costa repetiu que Portugal está disposto a aumentar a sua contribuição nacional. Mas também defende que a melhor forma de financiar o orçamento é através de recursos próprios da União, como por exemplo a criação de impostos europeus. Matéria polémica em Lisboa, mas não na Europa, onde esse debate já decorre há largos anos.

Os impostos propostos pelo relatório elaborado por Mário Monti não afectam directamente a maioria das pessoas: transacções financeiras, penalização das importações que não cumpram as regras ambientais e a taxação dos grandes conglomerados digitais, que não pagam impostos na Europa e que teriam de passar a pagá-los: Google, Microsoft, Amazon e Apple.

Nesta quarta-feira, Nuno Melo, deputado do CDS, acusou Costa de estar a aumentar brutalmente os impostos sobre os portugueses, durante as perguntas ao primeiro-ministro. Não adiantou qual seria o caminho. Costa sabe que haverá muitas dificuldades. A sua ideia em relação à política agrícola e à política de coesão passa sobretudo por ampliar e diversificar os seus objectivos. Na PAC (Política Agrícola Comum), por exemplo, ajudaria muito haver uma linha financeira para a reabilitação da floresta. Nos fundos, o investimento no digital ou em reformas mais voltadas para competitividade poderia ser mais adequado. 

Aqui o problema não vem tanto da Alemanha, que já disse que aumentava a sua contribuição para o orçamento, mas dos países ricos do Norte, com a Holanda à cabeça, que não querem qualquer aumento das verbas orçamentais e dizem que não é sequer necessário substituir a contribuição britânica. Mais do que na Alemanha, é nestes países que se encontram hoje as posições menos ambiciosas para o avanço da integração em vários domínios.

Perante uma paisagem política europeia em desagregação em vários países, o primeiro-ministro português insistiu em dois aspectos. Em primeiro lugar, a Europa tem de permitir as escolhas políticas dos cidadãos de cada Estado membro, desde que não violem os princípios e os valores em que assenta a construção europeia, rejeitando a ideia de “pensamento único”. Os compromissos devem ser conseguidos através das negociações entre escolhas eleitorais distintas. Aponta o exemplo português: recuperar a confiança dos cidadãos, mostrando-lhes que a via dos populismos não tem resposta para os seus problemas.

PSD e CDS críticos

Na pergunta que lhe fez o eurodeputado do PSD Paulo Rangel, além de dizer que a visão europeia do primeiro-ministro é igual à do seu partido, acusou-o de ser ainda pior do que a troika na consolidação das contas públicas à custa dos serviços públicos.

Foram muito críticas as intervenções dos eurodeputados do PSD e do CDS, todas centradas no debate interno, mais do que no debate europeu, e disparadas no minuto dado a cada um dos eurodeputados. Mas interessante foi a intervenção de Guy Verhofstadt, líder dos liberais, que pôs a tónica no que se passa no mundo, desde a China, com o seu novo "imperador” Xi Jinping, passando pela América e pela Rússia.

De resto, Verhofstadt manifestou o seu apoio às propostas de Costa, divergindo dele apenas na questão da revisão dos tratados. O primeiro-ministro português entende que não é preciso, sob pena de a Europa entrar num novo debate institucional com muito pouco a ver com a realidade, em vez de tomar medidas que efectivamente sejam percebidas pelos europeus como boas para as suas vidas. É a melhor forma de combater o populismo, disse, e a melhor forma também de recuperar a confiança dos cidadãos. O momento, acrescentou, é agora, quando a economia voltou a crescer e o "Brexit" não se traduziu num factor de desagregação. Falta ainda desenvolver o pilar social da união e económica e financeira, que a Comissão acaba de lançar. É outra componente, disse Costa, mas também Maria João Rodrigues em nome do Grupo dos Socialistas e Democratas Europeus, a que preside temporariamente. Passa também por aí a conquista da confiança dos cidadãos na Europa. 

Costa tinha várias coisas a apresentar em benefício do país. Não é só a meta do défice ou o crescimento económico já bastante razoável. Na semana passada, a Comissão retirou Portugal do procedimento dos desequilíbrios macroeconómicos. No ano passado, retirou-o do procedimento por défice excessivo. Lisboa tem agora melhores condições para se fazer ouvir em Bruxelas. Não foi só mérito deste Governo, disse Manfred Weber, o líder do PPE (grupo em que PSD e CDS têm lugar), sem, no entanto, fazer críticas ao actual executivo português. Como é costume, Weber lembrou Vasco da Gama e as descobertas. Permitiu a Costa lembrar que, sem Vasco da Gama ele não estaria provavelmente ali.

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