Lamb, o democrata centrista, mostrou como se ganham eleições na “Trumplândia”

Candidato do Partido Democrata venceu eleição especial para a Câmara dos Representantes num distrito da Pensilvânia onde Donald Trump bateu Hillary Clinton por 19 pontos.

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Reuters/BRENDAN MCDERMID

Há apenas quatro meses, no dia em que foi escolhido para representar o Partido Republicano numa eleição especial na Pensilvânia para a Câmara dos Representantes, o candidato Rick Saccone fez questão de dizer aos eleitores que um voto nele seria uma espécie de dois-em-um de sonho: "Eu era Trump antes de Trump ser Trump."

Nesse dia, Rick Saccone parecia ter à sua frente a tarefa mais simples do mundo. Num distrito eleitoral em que o Partido Republicano vencia desde 2003, algumas vezes sem que o Partido Democrata tivesse sequer apresentado um candidato, Saccone teria apenas de declarar o seu amor a Trump e esperar que a lealdade dos apoiantes do Presidente fizesse o resto – não só o 18.º Distrito da Pensilvânia era solidamente republicano há 15 anos, como há menos de um ano e meio o então candidato Donald Trump esmagara Hillary Clinton com uma vantagem de 19 pontos percentuais.

Afinal, a paisagem do 18.º Distrito da Pensilvânia é dominada pelas mesmas fábricas que serviram de mensagem vencedora a Trump em 2016, e Saccone não ia perder a oportunidade de se colar ao seu Presidente: "Eu concorri com a mesma agenda política em 2010. É a mesma agenda – a agenda do povo. O que o Presidente fez foi torná-la nacional."

Quatro meses depois daquelas palavras, Saccone, o Partido Republicano e Donald Trump tiveram a resposta dos eleitores do 18.º Distrito da Pensilvânia: foi por apenas 627 votos de diferença, é certo, mas quem vai para a Câmara dos Representantes é o candidato do Partido Democrata, Conor Lamb, um antigo marine e procurador de 33 anos. 

Ainda há cerca de 500 votos para contar (de militares e de eleitores cuja identificação foi questionada nas urnas), mas os 627 votos de vantagem num universo de 230 mil garantem a vitória a Conor Lamb, ainda que o Partido Republicano já tenha indicado que poderá pedir uma recontagem.

Centrista defensor das armas

Em causa estava um lugar na Câmara dos Representantes, que ficou em aberto depois de o detentor do cargo, o republicano Tim Murphy, ter saído de cena no meio de um escândalo pessoal – apesar de ser um fervoroso crítico do aborto, Murphy foi apanhado a encorajar a sua amante a abortar.

Depois disso, era preciso arranjar um substituto, e foi então que Rick Saccone e Conor Lamb apareceram em cena – venceram as eleições primárias dos seus partidos, em Novembro do ano passado, e lançaram-se numa campanha que, à partida, seria mais previsível do que um dia de sol no Verão.

Conor Lamb apresentou-se aos eleitores como um candidato democrata centrista, defensor da posse de armas e apoiante do aumento das taxas alfandegárias anunciado pela Casa Branca há duas semanas, mas essa postura distante dos progressistas de Nova Iorque ou de São Francisco não explica tudo – no site independente Cook Political Report, o 18.º Distrito da Pensilvânia tinha uma pontuação "R+11", ou seja, para se avaliar quão republicanos são os seus eleitores, é preciso pegar na média dos resultados do Partido Republicano em 2014 e 2016 e somar mais 11 pontos.

Uma derrota para Trump

A derrota de Rick Saccone no 18.º Distrito da Pensilvânia é também uma derrota para o Presidente Trump – o que não significa que Saccone tenha perdido porque se colou a Trump; antes de se antecipar uma qualquer "onda democrata" nas eleições de Novembro para o Congresso, é preciso perceber que na Pensilvânia há um gigantesco grupo de eleitores sindicalizados ainda inscritos no Partido Democrata, que têm votado no Partido Republicano por não se reverem no partido mais liberal e progressista que surgiu após a Presidência de Bill Clinton. Para muitos destes eleitores, o voto no centrista Conor Lamb pode ter sido um regresso a casa e não um voto de protesto contra Donald Trump.

Mas a verdade é que o Presidente apostou todas as fichas em Saccone e perdeu. Foi à Pensilvânia duas vezes, para discursar ao lado do candidato do Partido Republicano, e enviou também o seu vice-presidente, Mike Pence, e dois dos seus filhos, Donald Trump Jr. e Ivanka Trump – uma armada que dificilmente pode servir de desculpa quando o Presidente comentar o resultado desta eleição no Twitter.

As mais recentes mensagens de Trump na rede social são de terça e quarta-feira, ambas de apoio a Rick Saccone. Na última, diz aos eleitores da Pensilvânia para votarem no seu candidato porque "a economia está em alta, num máximo histórico, e ainda vai ficar melhor" – "Votem em Rick Saccone para que isto se mantenha."

Na terça-feira tinha ido directo ao coração da sua base de apoio, dizendo que Saccone "é muito melhor para a indústria do aço e para as empresas" e que Conor Lamb é "fraco na criminalidade e na fronteira" e "vai votar sempre a favor do Partido Democrata" na Câmara dos Representantes – apesar destes avisos, Lamb acabou por vencer no coração da "Trumplândia" e roubou um lugar à maioria do Partido Republicano na Câmara dos Representantes.

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