Autarca de Teerão que celebrou feitos das mulheres é forçado a demitir-se

Mohammad Ali Najafi, considerado reformista, foi duramente criticado por um líder religioso conservador por assistir a um recital de dança com meninas. Demitiu-se dias depois de cartazes a assinalar os feitos das mulheres iranianas aparecerem na capital.

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É obrigatório o uso do hijab no Irão desde a Revolução Islâmica de 1979 Reuters/Morteza Nikoubazl

O presidente da câmara de Teerão, a capital iraniana, demitiu-se esta quarta-feira depois de ser alvo de duras críticas por parte de um influente líder religioso conservador. Em causa está o facto de Mohammad Ali Najafi, um apoiante do Presidente moderado Hassan Rouhani, eleito em 2017, ter assistido na semana passada a um recital com dança em que seis crianças do sexo feminino dançaram para celebrar o dia da mãe.

A dança de mulheres em público é proibida no Irão, onde as raparigas maiores de nove anos são consideradas adultas, de acordo com a lei islâmica.

Um vídeo do recital tinha gerado críticas nos meios iranianos mais conservadores. Também a agência de notícias semi-oficial Fars descreveu o recital como uma "celebração da indecência", como conta o New York Times.

As críticas mais veementes partiram do influente imã Ahmad Alamolhoda, que qualificou o recital como uma ofensa a Fátima, filha de Maomé e objecto de culto para os muçulmanos xiitas, acusando as crianças de "incitar ao desejo" com "movimentos atrozes".

Mohammad Ali Najafi, um político moderado de 66 anos formado no Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), nos EUA, argumenta que lhe foi dito que as crianças eram menores de nove anos, o que afastaria a hipótese de violação da lei islâmica. No entanto, e sob o peso das críticas, admitiu que "teria sido melhor que aquela parte do número não tivesse acontecido", segundo cita o site de notícias iraniano Entekhab.

Esta quarta-feira, e menos de um ano depois de ser eleito para a câmara de Teerão, o reformista anunciou a demissão.

Mulheres celebradas em cartazes

A saída da autarquia acontece também poucos dias depois de Najafi ter ordenado a afixação de vários cartazes nas ruas da capital em que eram homenageadas mulheres que se destacaram na sociedade iraniana e que quebraram barreiras ao nível da igualdade de género.

Os cartazes contrastam com os posters que tinham sido afixados na cidade durante o mandato do anterior autarca conservador, em que as mulheres eram reduzidas ao papel de donas de casa.

Maryam Mirzakhani, primeira mulher a vencer o mais prestigiado prémio da matemática

Maryam Mirzakhani, matemática iraniana e a primeira mulher a conquistar a Medalha Fields – o mais prestigiado prémio mundial da matemática – é uma das figuras presente nos novos cartazes. Mirzakhani, que morreu em Julho de 2017 aos 40 anos de idade, radicou-se nos EUA e tornou-se professora na Universidade de Stanford, sendo um dos símbolos do êxodo dos mais promissores académicos, intelectuais e cientistas iranianos.

Maryam Kazemzadeh, fotógrafa iraniana que cobriu a guerra entre o Irão e o Iraque na década de 1980

Entre as outras mulheres retratadas estão Kimia Alizadeh, primeira medalhista olímpica iraniana; Shahla Riahi, a primeira mulher a ocupar um cargo dirigente no país; Maryam Kazemzadeh, a primeira fotógrafa de guerra iraniana (conhecida por ter coberto a guerra entre o Irão e o Iraque na década de 1980); Marzieh Hadid Chi, primeira mulher comandante do Exército Iraniano e activista dos direitos das mulheres (que, mais tarde, se tornou membro do Parlamento); Alenush Terian, física conhecida como a mãe da astronomia moderna no Irão; e Maryam Amid-Semnani, uma das primeiras jornalistas iranianas.

A afixação dos cartazes tinha provocado reacções díspares nas redes sociais, como relata a BBC. Alguns iranianos elogiaram a iniciativa, afirmando que esta “ajudará as mulheres a aumentarem a sua auto-estima”. Outros desvalorizaram a campanha, reduzindo-a a um mero número publicitário perante a ausência de acções concretas para promover os direitos das mulheres iranianas.

Recentemente, diversas mulheres iranianas protestaram contra a obrigatoriedade do uso do hijab, retirando-o em público e divulgado as imagens do acto nas redes sociais. Os protestos levaram a várias detenções e resultaram já na condenação de uma mulher a dois anos de prisão, apesar de promessas por parte das autoridades no início deste ano de uma maior tolerância em relação ao uso do véu.

De resto, o Irão tem dado sinais contraditórios em relação à condição da mulher. Na segunda-feira, e já com o autarca de Teerão a ser alvo de críticas dos meios mais conservadores, a companhia aérea nacional anunciou que vai recrutar mulheres piloto pela primeira vez. O anúncio foi feito por Farzaneh Sharafbafi, que em 2017 se tornou ela própria na primeira mulher a dirigir a Iran Air.

Texto editado por Pedro Guerreiro

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