Marcelo e o abraço europeu a Atenas

Se Roma lança novos desafios à Europa, Atenas espera que esta cumpra as suas promessas.

Se as notícias falsas fazem mal à democracia, notícias verdadeiras como as que deram conta da votação em Itália mostram como a democracia já está mal. O estouro político reduziu a estilhaços o Partido Democrático (PD) e desconhece-se o futuro, nomeadamente quem formará governo e se o Movimento 5 Estrelas de Luigi di Maio é um mal menor face à Liga de Matteo Salvini, o nacionalista do “italianos primeiro”, slogan básico mas talvez por isso eficaz, tal como redutor e perigoso.

A Itália é a terceira maior economia da zona euro, mas é também um país com sérios problemas estruturais. No pico da crise da zona euro, o maior receio era o de que as chamas chegassem a Espanha e à Itália: se tal acontecesse, não haveria muito mais história para a moeda única. Espanha acabou por receber um empréstimo para recapitalizar os bancos, sem programa de ajustamento e sem o FMI, e Mario Draghi veio a terreiro garantir que faria o que fosse necessário para defender o euro, protegendo Roma e as restantes capitais europeias ao afastar os especuladores e os piores temores.

Agora, e ao mesmo tempo que havia eleições no terreno, a Comissão Europeia fez o seu retrato de Itália actualizado: houve algumas reformas, mas a dívida pública não só ainda é muito elevada e como não tende a baixar, falta produtividade, o desemprego mantém-se alto e o volume de crédito malparado ainda é um problema para os bancos (e para a economia).

Se se está à espera de reformas que resolvam isso tal e qual como pretende Bruxelas, não será certamente com um governo dominado por Di Maio ou Salvini. E se alguém estava a contar com um grande contributo positivo por parte de Itália para o futuro da moeda única e para temas como o das migrações, essa estratégia terá agora de ser repensada, já que caiu por terra a perspectiva de um triângulo Merkel-Macron-Renzi.

No caso da dívida pública, por exemplo, Itália detém a segunda posição (não muito distante de Portugal), apenas superada pela Grécia. E se Roma lança novos desafios à Europa, Atenas espera que esta cumpra as suas promessas. Sem a dimensão e importância de Itália, logo, com muito menos espaço de manobra, a Grécia está a chegar ao fim do seu terceiro e, espera-se, último programa de assistência financeira com as respectivas exigências ao nível da austeridade. Oito anos e cerca de 300 mil milhões de euros depois, ainda com uma elevada evasão fiscal e muitas questões por resolver (o desemprego está nos 20%), espera-se que em Agosto comece um novo ciclo.

PÚBLICO -
Aumentar

Esta segunda-feira, o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, afirmou estar confiante de que os dias da crise deste país vão ficar para trás. Para que tal aconteça, no entanto, é preciso que haja novas medidas para aliviar de forma substancial o peso da dívida púbica (que está nos 177% do PIB), tal como, aliás, foi prometido pelos responsáveis europeus e pedido pelo FMI. Sim, é preciso haver um objectivo de ter excedentes primários (de preferência com níveis realistas), mas para que Atenas regresse aos mercados e inicie um novo capítulo na sua história os investidores privados têm de acreditar que a dívida é sustentável e que o projecto europeu conta com a Grécia (ainda, e curiosamente, liderada pelo Syriza).

Se de Roma podem vir problemas, a verdade é que a forma como Bruxelas lidar com a questão grega nos próximos meses nos dirá muito sobre o futuro do projecto europeu.

De visita a Atenas, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou esta terça-feira ao primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras (líder do Syriza), que a Grécia "pode contar com Portugal neste momento importante de preparação do futuro". Ainda bem que assim é. Mas falta ainda perceber se o abraço de Marcelo é partilhado pelo resto da Europa.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários