“Todos os operadores julgam que não vão pagar” as multas ligadas à Uber

Gestor de frota diz a expectativa é a de anulação das contra-ordenações. Uber tem feito a defesa das multas aplicadas a operadores ligados à sua plataforma.

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Contra-ordenações têm por base a falta de alvará REUTERS/Sergio Perez

Carlos Alves tem uma frota com cerca de 80 viaturas que transportam passageiros com apoio de plataformas como a Uber e a Taxify. Desde 2016, ano em que entrou neste negócio, já sofreu oito multas, cada uma no valor de cinco mil euros, mas isso ainda não lhe causou nenhuma despesa. Este empresário diz que “nunca nenhum parceiro” das plataformas electrónicas de reserva pagou uma multa, e que “todos os operadores julgam que não vão pagar”.

 “Terá de haver uma anulação” dos valores em causa, defende Carlos Alves, acrescentando que, caso não se cumpra essa expectativa, vai haver falências, principalmente de pequenos operadores.

Só no seu caso estão em cima da mesa 40.000 euros. Não se sabe ao certo quantas multas foram passadas até agora – nem o Instituto da Mobilidade e dos Transporte nem a PSP enviaram os dados solicitados pelo PÚBLICO – mas já são várias centenas.

Em Fevereiro do ano passado, a Lusa adiantava, com base em informações da PSP, que entre Novembro (entrada em vigor de alterações à legislação sobre o sector dos táxis, com reforço de medidas contra a actividade ilegal) e o início desse mês tinham sido instaurados 153 autos de contra-ordenação por falta de alvará.

No final de Dezembro, o Expresso já falava de perto de 900 multas com montante global de cerca de quatro milhões de euros.

O valor de cinco mil euros é o mínimo previsto na lei a entidades colectivas que pratiquem uma actividade considerada ilegal no sector dos transportes em táxi, e é o que tem sido praticado. A lei abrange a “prática de angariação, com recurso a sistemas de comunicações electrónicas, de serviços para viaturas sem alvará”. Não reconhecendo como válido o Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística (RNAAT, ligado ao transporte de turistas) que detêm os motoristas ligados aos operadores, é precisamente por falta de alvará como o dos táxis que as multas estão a ser passadas. Os operadores e as plataformas, por sua vez, reclamam que não são táxis, mas uma nova alternativa.

“Esta situação resulta da confusão que existe em torno da actual regulação da mobilidade hoje em Portugal”, diz fonte oficial da Uber. “Algumas das situações de multa já começaram a ir a julgamento e já em mais de um caso o tribunal decidiu em favor dos nossos parceiros, considerando que a Uber é um serviço legal com a necessidade urgente de uma revisão regulatória na mobilidade em Portugal, um passo que falta para dar alguma tranquilidade aos parceiros e motoristas”, refere. A mesma fonte acrescenta que, “felizmente”, parece agora “existir no Parlamento um amplo consenso para uma reforma regulatória”.

Até aqui, aliás, e segundo Carlos Alves, é a Uber quem tem reunido as multas por pagar. Conforme explica este operador, a contra-ordenação é passada ao dono do veículo, que remete depois o documento para a Uber, tal como a posterior notificação do IMT. A Uber, por sua vez, “remete para um escritório de advogados”, que faz a defesa da multa.

Questionada pelo PÚBLICO sobre estes procedimentos, fonte oficial da empresa afirmou apenas que “tanto a Uber como os seus parceiros operam de acordo com as leis portuguesas em vigor”. “Estamos atentos a esta situação que nos preocupa e que cada vez faz menos sentido”, acrescentou a mesma fonte.

Parlamento fora da equação

A questão agora é saber como é que ficam as multas que estão por pagar, e se vai haver ou não uma espécie de perdão. No que diz respeito ao Parlamento e à nova legislação para o sector, a questão não foi abordada nos contactos entre os vários partidos, segundo garantiram ao PÚBLICO os deputados envolvidos nas reuniões. O comunista Bruno Dias e o social-democrata Emídio Guerreiro confirmaram que o assunto nunca chegou a ser mencionado e o socialista João Paulo Correia afasta qualquer cenário de poder haver uma espécie de amnistia a partir de legislação emanada do Parlamento. “Se as empresas têm multas para pagar, isso é uma questão entre as empresas e o IMT ou, no máximo, entre as empresas e os tribunais”, apontou o deputado do PS.

No final de Dezembro, o secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes, responsável pela pasta dos transportes,  defendeu em declarações ao Expresso que “devia ser considerado um mecanismo de limpeza” das contra-ordenações “para depois se fazer então cumprir a nova lei”, até porque estava há um ano para ser aprovada.

Provocando a ira dos representantes dos táxis, José Mendes acabou por ter de dar explicações no Parlamento por iniciativa do PCP, no início de Janeiro. "Nunca sugeri que houvesse um perdão de multas a multinacionais”, afirmou então o governante, citado pela Lusa, referindo-se a um comentário do PCP. “Num quadro que tem uma dúvida razoável, como demonstram decisões de tribunais opostas, disse que poderiam ser perdoados os pequenos motoristas e os tais pequenos operadores", argumentou José Mendes.

Desde então, nunca mais se voltou a falar do assunto, desconhecendo-se se a expectativa de Carlos Alves e de outros operadores de transporte ligado às plataformas vai ser cumprida.

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