National Geographic admite ter tido uma abordagem racista no passado

Num balanço dos 130 anos da publicação e numa edição que olha para as questões raciais, a revista norte-americana reconhece que cometeu erros no passado e promete uma cobertura mais consciente.

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Páginas da revista numa edição de 2010 PEDRO CUNHA

Nas bancas desde 1888, a centenária revista mensal norte-americana National Geographic (que também conta com uma edição portuguesa) fez um balanço da sua própria cobertura jornalística ao longo das últimas décadas, inspirada pelo tema da edição do próximo mês, centrada nas questões raciais. A actual directora da revista, Susan Goldberg, “a primeira mulher e a primeira pessoa judia” a liderar a publicação, como assinala a própria, reconhece pela primeira vez num editorial que muitos dos artigos que a National Geographic publicou partiram de uma perspectiva racista do mundo.

Essa é a conclusão da análise dos 130 anos de arquivo da revista, que foi conduzida por John Edwin Mason, um investigador da Universidade de Virginia, especialista em História da Fotografia e História Africana, que detectou uma perspectiva racista em artigos sobre ciência, história, geografia e cultura.

Mason concluiu que durante décadas — eespecialmente até à década de 70 — a revista ignorou a população não branca a viver nos Estados Unidos. E nas reportagens realizadas noutros países, as respectivas populações foram retratadas como uma espécie “nativa exótica, frequentemente sem roupa, de caçadores felizes e nobres selvagens”, perpetuando “todos os tipos de clichés” racistas.

O investigador comparou o trabalho da revista com o que foi realizado por outra publicação, a Life, revista de fotojornalismo que esteve nas bancas entre 1936 e 2000, e considera que a National Geographic não fez o suficiente para desafiar preconceitos e estereótipos sociais, contribuindo para perpetuar a segregação social. Uma dicotomia de conotação racista entre o “mundo civilizado, tecnológico” e o “mundo selvagem” foi frequentemente explorada em diversos artigos.

“Os americanos tiram as suas ideias do mundo de filmes como o Tarzan e de caricaturas brutas e racistas”, explica John Edwin Mason. “A segregação era o que era. E a National Geographic não estava a ensinar o que devia para além de reforçar as mensagens que a sociedade já recebia, através de uma revista com uma tremenda autoridade", diz o investigador, que afirma que a revista dividia o mundo entre colonizadores e colonizados.

Um dos exemplos citados pela própria revista remonta a 1916 e refere-se a um retrato dos  aborígenes australianos, em que dois indivíduos são apresentados como “selvagens” que figuram “no fundo da lista de seres humanos inteligentes”. Para além da forma como as histórias são contadas, aquilo que foi omisso também foi alvo de escrutínio por parte do investigador. Nota John Edwin Mason que em dois trabalhos sobre África do Sul e divulgados em 1962 e 1977 não foram referidos os problemas de segregação no país.

“Não há vozes sul-africanas negras. A ausência destes registos é tão importante como o que fica registado”, nota. “As únicas pessoas negras surgem a fazer danças exóticas, como servos ou funcionários. É bizarro pensar que nem editores, escritores ou fotógrafos repararam nisso.”

Em anos mais recentes, porém, é notada uma evolução no tom da revista. É dado como exemplo a cobertura do devastador terramoto do Haiti, em 2015, onde a National Geographic entregou câmaras fotográficas à população jovem local para que esta documentasse a sua realidade.

Para o investigador, a análise permite concluir que uma revista “pode abrir os olhos e ao mesmo tempo fechá-los”.

A capa de Abril, que já está nas bancas nos EUA, é protagonizada duas irmãs gémeas - uma branca, outra negra. No mesmo mês em que se lembra o 50.º aniversário do homicídio de Martin Luther King Jr., a 4 de Abril, a revista diz que é momento de “dar um passo atrás" para se perceber o momento presente e para se fomentar a construção de comunidades mais inclusivas.

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