Os Franciscos e o Governo

Não são raras as vezes que alunos e encarregados de educação requerem aos diretores das escolas a permanência de docentes, por corresponderem ou superarem as suas expectativas.

“Caro aluno Francisco,

A carta entregue por ti no final do ano letivo, que coloquei num lugar especial na minha secretária, mereceu a minha maior atenção e hoje te respondo com honestidade e amizade.

Sabes que a vida de um professor pode mudar, pelo menos, de quatro em quatro anos, por vários motivos.

E foi o que aconteceu à professora Maria, de quem tu muito gostas e que, a partir do próximo ano, será professora numa escola no Porto. Apesar de ter alcançado uma posição melhor para si, ficou triste por nos ter deixado, levando consigo muitas saudades e, podes ter a certeza, levando-te no coração.

Sabes... os diretores dos agrupamentos não têm poder para manter os professores e, por isso, quase todos os anos há novos professores nas escolas.

No próximo ano, terás uma nova professora de Educação Especial, que também te ajudará muito na tua vida de estudante do 7.º ano e, assim, deves ficar contente e otimista.

Vamos combinar uma coisa? Como gostas muito da professora Maria, e nós também, vamos convidá-la a participar no Dia do Patrono. Penso que gostará de visitar-nos!

Quero desejar-te umas excelentes férias. És um aluno trabalhador e esforçado e, também por isso, as bem mereces.

P.S.: Se não te importares, enviarei uma cópia desta carta à professora Maria.”

Este foi o teor de uma carta que, em agosto passado, escrevi a um aluno, após ter recebido deste uma missiva solicitando a permanência da sua professora na escola (nomes fictícios).

Não são raras as vezes que alunos e encarregados de educação, sob a forma de abaixo-assinado, requerem aos diretores das escolas a permanência de docentes, por corresponderem ou superarem as suas expetativas, considerando a continuidade destes uma mais-valia no processo ensino-aprendizagem, com ganhos inequívocos para os discentes.

No entanto, nem sempre é possível pelas circunstâncias que passo a referir:

  • inexistência de autonomia que permita a recondução do professor e a tão desejável continuidade;
  • inexistência de autonomia para abrir vagas de quadro de escola (efetivamente necessárias) para manter docentes que são obrigados a concorrer para vagas noutros agrupamentos e, quantas vezes, muito distantes das suas residências;
  • existência de concurso de professores que, naturalmente, possam permitir a aproximação à residência destes profissionais e/ou a sua entrada para a carreira docente (em Quadro de Zona Pedagógica ou Quadro de Agrupamento);
  • apresentação na escola do titular do horário, após submissão a Junta Médica, que o obriga a trabalhar pelo menos 30 dias, quantas vezes sem condições físicas nem psicológicas, devendo o docente substituto abandonar o lugar que, passado o prazo estipulado, poderá ser ocupado por outro docente em situação de substituição, nos termos da lotaria semanal denominada reserva de recrutamento com sorteio à sexta-feira.

O apreço e carinho para com os alunos e as suas escolas, demonstrados todos os anos pelos nossos professores (muito estimados pelas comunidades escolares), contrasta com o modo como são tratados pela tutela. Certos ministros, uns mais que outros, ainda hoje são recordados pelo mal que fizeram à classe docente na sua generalidade, e a um vasto leque de professores de forma individual. Também reconheço que alguns (poucos) são lembrados pelas melhorias deixadas na área tutelada, pela forma motivadora e correta como trataram os professores, ajudando a engrandecer a mais bela profissão do mundo.

E, neste momento, este princípio está a ser posto em causa, uma vez mais.

Curiosamente, o Governo mandou avançar para as negociações relativas à recuperação do tempo de serviço congelado aos professores não só os responsáveis da respetiva pasta governamental, como também uma espécie de guarda avançada, a secretária de Estado da Administração e Emprego Público, estranho facto, uma vez que a “declaração de compromisso” foi assinada pelos sindicatos e pelos ministérios da Educação e das Finanças, passavam já das 5h de um sábado. Os representantes dos professores pedem a recuperação do tempo do descongelamento (9a 4m 2d) contra a esmola traduzida na oferta do Governo (2a 10m). Há uma discrepância superior a seis anos e seis meses. É muito tempo!

As posições encontram-se extremadas, tendo já sido agendadas greves, prevendo-se um desfecho tumultuoso, nada merecido para quem é dedicado aos seus alunos e por estes estimado. Os Franciscos e as comunidades educativas deste país consagram reconhecimento ao trabalho dos seus professores, atitude a ser replicada com justeza, com distinção idêntica por parte do Governo, em especial, por quem gere a pasta das Finanças. A ocupação de lugares em importantes instituições europeias deixa-nos orgulhosos, mas não deve ser conquistada à custa de restrições orçamentais na Educação nem, muito menos, dos profissionais que briosamente a servem.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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