Pesquisou “como matar alguém” na Internet. E o namorado morreu mesmo

Caso do gelo seco teve o seu primeiro desfecho esta segunda-feira. Mas professora condenada por homicídio vai recorrer da sentença.

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Uma professora foi condenada esta segunda-feira a 17 anos de cadeia por ter morto o namorado, num caso de contornos misteriosos que ocorreu na véspera do Natal de 2016.

O casal tinha-se conhecido cinco anos antes no Porto, num mestrado de realização para cinema e televisão. A chegar aos 30 anos, a vítima, Hugo Oliveira, praticamente nunca tinha trabalhado. Morava em Famalicão com os pais, que o sustentavam.

Terá sido no mestrado que o casal ouviu falar pela primeira vez da utilização de gelo seco para criar efeitos especiais, um produto à base de dióxido de carbono solidificado que depois de molhado liberta um fumo intoxicante, que pode ser letal se for usado em grande quantidade.

A residir em Vila Nova de Gaia, a professora alugou uma casa no Parque das Nações, em Lisboa, para passarem os fins-de-semana. Dizia que era para distrair o namorado das ideias suicidas que tinha. Hugo Oliveira tornara-se entretanto uma pessoa instável, de trato difícil, e falava de forma recorrente num pacto conjunto de suicídio. E nem as viagens que fizeram a Madrid, Veneza, Paris, Roma, Barcelona e outras cidades europeias, sempre pagas pela namorada, lhe terão tirado essa ideia da cabeça.

A professora deixou a escola e passou a dar explicações em casa. Depois, já nem isso. Passaram a viver um para o outro, como contou em tribunal aos juízes: “Éramos siameses num casulo”. Não tinha ocupações de tempos livres, porque ele era demasiado ciumento, explicou. Pelo meio inventaram uma gravidez e um casamento para agradar aos pais de Hugo.

O que se passou naquela madrugada da véspera de Natal, só ela o sabe ao certo. Tinham rumado uma vez mais a Lisboa, e encomendaram grande quantidade de gelo seco a um fabricante. Como o aquecimento do apartamento não estava ligado, foram comprar uma braseira. A professora diz que chegou a alinhar no pacto de suicídio, mas que depois desistiu. Que ele a convenceu mesmo assim a ajudá-lo. Gastaram 200 euros numa última refeição no Hotel Ritz – comeram veado – e rumaram a casa.

Hugo apareceu morto na cama, queimado, depois de ter tomado comprimidos para dormir. Morreu intoxicado, quando o quarto do casal ardeu. Na divisão estavam também os 35 quilos de gelo seco, que a acusação do Ministério Público assegura nada mais terem sido do que uma manobra de diversão da assassina para esconder o seu crime. Motivo? Apercebendo-se de que a encenação criada à volta do casamento, da gravidez e de outras mentiras não poderia manter-se muito mais tempo, e começando a ficar desesperada nesta relação claustrofóbica, decidiu acabar com o problema de forma definitiva, aproveitando o facto de o namorado se querer suicidar, deduzem os juízes. 

Na noite do incêndio, não pediu ajuda a ninguém quando as chamas deflagraram, já de madrugada. Com ar desorientado, passou pelos vizinhos que tinham saído de casa, assustados com o fogo, e apanhou um táxi do Parque das Nações até Vila Nova de Gaia. Quando a Polícia Judiciária a chamou, dias depois, apresentou-se às autoridades. Assegurou que o seu único crime foi ajudar o namorado a morrer, como ele queria. Porém, os peritos da Judiciária que estiveram no local dizem que alguém pegou fogo ao colchão onde Hugo dormia, e que as dimensões que o fogo atingiu não eram compatíveis apenas com a braseira que o casal comprou.

Só muito mais tarde as perícias ao computador da suspeita acabariam por revelar pesquisas na Internet comprometedoras: “Como matar alguém com gelo seco”, “como matar uma pessoa sem deixar pistas”, ”quanto tempo é necessário estar alguém exposto ao dióxido de carbono para morrer”. Foi sobretudo nestas provas que se basearam os juízes para a condenar a 16 anos de cadeia por homicídio qualificado e mais um por fogo posto.

Porém, a questão das buscas no Google nunca foi levantada em tribunal – nem pelo Ministério Público, nem pelos juízes que a sentenciaram. Nem antes, na fase de debate instrutório do processo, uma espécie de pré-julgamento facultativo. Razão pela qual nunca teve oportunidade de se defender nesta matéria. O seu advogado, Índias Cordeiro, vai recorrer da sentença, que obriga ainda a arguida a pagar perto de 59 mil euros aos pais da vítima.

Entretanto, a docente continua presa preventivamente na cadeia de Tires. Chorou durante breves segundos quando ouviu a sentença. Depois recompôs-se e saiu da sala de audiências, escoltada pelos guardas prisionais.

Serviços telefónicos de prevenção do suicídio

SOS Voz Amiga
Lisboa
Atendimento das 16 às 24h
21 354 45 45
91 280 26 69
96 352 46 60

SOS Telefone Amigo
Coimbra
239 72 10 10

Telefone da Amizade
Porto
22 832 35 35

Escutar - Voz de Apoio
Gaia
22 550 60 70

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