Testemunho do juiz Carlos Alexandre iliba Orlando Figueira

Magistrado falou da honradez do ex-procurador, salientando que não é por ser seu amigo que o defende. Depoimento pode revelar-se fulcral para destruir tese da acusação.

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Carlos Alexandre à saída da sala de audiências Lusa

O julgamento da Operação Fizz contou nesta terça-feira com um depoimento que deita por terra a tese sustentada pela acusação, segundo a qual o vice-presidente de Angola Manuel Vicente corrompeu o procurador português Orlando Figueira entre 2011 e 2012.

Assumindo-se como amigo do magistrado, que conhece há mais de duas décadas e meia, o superjuiz Carlos Alexandre apresentou factos que parecem desmentir as suspeitas que o Ministério Público fez recair sobre Orlando Figueira e restantes arguidos do caso. E também se pronunciou sobre a personalidade de Orlando Figueira: descreveu-o como alguém confiável e honrado, mas também crédulo. “Não digo isto por ser amigo dele”, repetiu Carlos Alexandre várias vezes. “Esta pessoa que conheço há 27 anos não é compatível com o recebimento de contrapartidas” pagas a título de luvas. “Se isto das contrapartidas se vier a provar, Orlando Figueira não é a pessoa que conheço há 27 anos. E se não o fosse acho que eu saberia — e seria pessoa para o dizer”, sublinhou o superjuiz, a partir do banco das testemunhas. A corrupção “não está na matriz” de Orlando Figueira, assegurou.

Manuel Vicente ainda não tinha chegado a vice-presidente de Angola, cargo que ocupou até há poucos meses, quando foi investigado por Orlando Figueira, que trabalhava no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). Em causa estava a origem dos 3,8 milhões de euros com que o então líder da petrolífera angolana Sonangol tinha pago um apartamento de luxo no Estoril. No mesmo inquérito eram igualmente investigados mais membros da elite angolana e cidadãos de outras nacionalidades que também tinham comprado casa no Estoril-Sol Residence através da mesma sociedade offshore que Manuel Vicente. Estaria o condomínio de luxo a servir para branquear dinheiro?

Em 2011, depois de receber comprovativos dos rendimentos de Manuel Vicente, que entretanto estava em vias de deixar a Sonangol para se tornar vice-presidente de Angola, o procurador arquivou a investigação — mas só na parte que dizia respeito ao futuro governante. Os restantes compradores de apartamentos investigados pelo DCIAP continuaram sob suspeita. Em tribunal, Orlando Figueira não teve pejo em dizer que na sua decisão também pesou o facto de não querer prejudicar as relações entre os dois países, o que poderia suceder se tivesse demorado mais tempo a arquivar o inquérito.

Sucede que em 2012 o procurador acaba por deixar o Ministério Público para ir trabalhar para o sector privado: para o BCP, com capital accionista angolano, e para o Banco Privado Atlântico. E ainda contraiu um empréstimo junto desta última entidade, que lhe foi dado sem que tivesse de apresentar garantias. Para os colegas de Orlando Figueira que o investigaram neste processo-crime agora em julgamento, depois de ele deixar o DCIAP são demasiadas coincidências. Dizem que os empregos que o magistrado arranjou depois de deixar o Ministério Público eram fictícios, servindo apenas de alibi para o pagamento de luvas em troca do arquivamento da investigação a Manuel Vicente. O mesmo sucederia com o empréstimo. Ao todo, o arguido recebeu 760 mil euros pelos favores que prestou, contabilizam.

Porém, Orlando Figueira sempre disse que quem lhe prometeu emprego no Banco Privado Atlântico não foi Manuel Vicente, que assegura nem sequer conhecer, mas sim o banqueiro angolano Carlos Silva, a quem nunca arquivou processo nenhum nem é arguido na Operação Fizz. Uma das suas empresas pagou-lhe um ano de salários adiantados, facto igualmente considerado indício de corrupção pelo Ministério Público, mas que Orlando Figueira também contou a Carlos Alexandre logo em 2011.

Visita da casa do superjuiz, Orlando Figueira fazia-lhe confidências. Porém, assegura Carlos Alexandre, jamais lhe mencionou Manuel Vicente. Falava-lhe, isso sim, de Carlos Silva, que tardava a concretizar as promessas de trabalho em Luanda. O procurador foi ficando pelo BCP apesar de isso não estar nos seus planos, explicou o superjuiz, que nunca duvidou que este emprego fosse real, e não um alibi para pagamento de subornos. Por fim, em 2015, Orlando Figueira conta-lhe que vai rescindir o contrato de trabalho com o grupo do banqueiro angolano, e que lhe indicaram que isso seria feito através do advogado Proença de Carvalho. Carlos Alexandre diz que o arguido se encontrou mais de uma vez com o advogado para esse fim.

Apenas uma vez o superjuiz admitiu não conhecer o amigo tão bem como pensava. Foi quando o inquiriram sobre o facto de Orlando Figueira receber os salários pagos pelos angolanos numa conta offshore em Andorra, coisa que só ficou a saber quando as suspeitas da Operação Fizz se tornaram públicas. O magistrado nunca lhe revelou que fazia viagens frequentes àquele local para ir buscar os ordenados, por forma a que ele e os patrões pudessem escapar aos impostos. “Fiquei estupefacto”, admitiu Carlos Alexandre.

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