Maioria dos candidatos à liderança dos juízes não se revê no pacto para a justiça

Resultado de eleições para a associação sindical da magistratura judicial será conhecido este sábado. Há quem se mostre decepcionado com o resultado do acordo feito a pedido de Marcelo e quem pense que uma organização deste tipo nem sequer se deveria ter pronunciado sobre certas matérias.

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Entrega do pacto para a justiça ao Presidente da República, em Janeiro passado

Apenas um dos três candidatos à liderança da Associação Sindical de Juízes Portugueses se revê, e não por completo, no pacto que esta organização firmou para a justiça com outros protagonistas do sector, a pedido do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Com maior veemência ou palavras mais cautelosas, os três candidatos assumem posições que vão desde a mera indiferença até à crítica frontal. E que chocam com o empenho que pôs no acordo a direcção sindical que cessa funções no mês que vem, que durante ano e meio liderou as negociações com procuradores, advogados e outros profissionais do sector. O documento contém 89 medidas e está prestes a ser discutido na Assembleia da República, não tendo sido possível chegar a consenso em matérias delicadas como a delação premiada ou o enriquecimento ilícito.

A primeira proposta do pacto consiste na fusão dos tribunais comuns com os tribunais que julgam as matérias administrativas e fiscais, e que funcionam à parte, num regime próprio e com estruturas autónomas. “Há 20 ou 30 anos que esta medida deixou de ter sentido”, observa a juíza Patrícia Costa, que encabeça uma das listas que concorrem à direcção da associação sindical, naquilo que é uma objecção comum aos outros dois candidatos.

A ex-presidente da comarca de Leiria diz que a maioria dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais que contactou durante a campanha não se revê nesta ideia. “Muitas das medidas do pacto não foram discutidas entre a classe dos juízes antes de serem ‘pactuadas’”, lamenta a magistrada, que mostra desconfiança em relação à exequibilidade e à vantagem de propostas como a dos juízes itinerantes, segundo a qual os magistrados das áreas laborais e de família e menores deverão passar a deslocar-se regularmente até às secções de proximidade dos tribunais, que são uma espécie de balcões de atendimento situados em localidades mais afastadas das capitais de distrito, para que ali realizem julgamentos. “É necessário acautelar os meios humanos e materiais necessários para essa forma de realização próxima desta justiça especializada. Com atenção à dotação de quadros humanos, prevendo a existência de transporte apropriado para o tribunal e/ou compensando os custos inerentes” à deslocação, pode ler-se no pacto.

Habituada a todo o tipo de carências nos tribunais durante o ano e meio que esteve à frente da sua comarca, de funcionários judiciais a simples impressoras, Patrícia Costa teme que os tais meios nunca surjam. As horas que os magistrados vão perder nas deslocações serão roubadas ao tempo de trabalho, antevê.

Greve de ser usada como "último recurso"

Quanto à delação premiada ou o enriquecimento ilícito, pensa que a associação sindical nem sequer se devia ter pronunciado sobre estas matérias, por serem acima de tudo opções políticas. E não descarta a possibilidade de os juízes enveredarem por uma greve, como já ameaçaram fazer no Verão passado. “Mas deve ser usada como último recurso, sobretudo se estiver em causa a independência do poder judicial”.

Membro do Fórum Permanente Justiça Independente, uma das duas tendências do mundo associativo dos juízes, Patrícia Costa nega representar uma linha mais conservadora da magistratura, fazendo notar que a sua lista conta também com membros da tendência tida como mais progressista.

A independência é um dos conceitos mais caros à classe, como se pode confirmar nos programas eleitorais dos três candidatos. Mas aquilo por que os juízes clamam não se relaciona com pressões externas sobre se devem condenar fulano ou absolver sicrano, e sim com aquilo que vêem como ingerências nos seus poderes por parte quer do órgão de disciplina da classe, o Conselho Superior da Magistratura, quer dos juízes que dirigem as comarcas judiciais desde 2014. A recente decisão do conselho de suspender um juiz que insistiu em mandar os funcionários do tribunal imprimir todos os documentos que compunham determinado processo que tinha em mãos suscitou indignação e há mesmo quem aponte esta decisão como um exemplo de ingerência indevida.

“Repudiamos frontalmente uma cega desmaterialização dos processos, com proporções de obrigatoriedade e relevância disciplinar injustificável”, refere o programa eleitoral da segunda candidata, Adelina Barradas de Oliveira. Representante de uma tendência intitulada Movimento Justiça e Democracia, a juíza é bem menos crítica do pacto para a justiça que os seus dois adversários, realçando como aspectos claramente positivos a redução de custas nos tribunais ou a criação de uma especialidade de família e menores nos tribunais superiores. Mas a fusão dos tribunais administrativos e fiscais com os de jurisdição comum também não a convence. “Para este pacto não foi ouvido quem está no terreno”, resume.

Embora entenda ser urgente uma revisão dos vencimentos dos juízes, tal como de resto defendem também os seus rivais, a magistrada considera prioritário que a classe se bata por melhores condições de trabalho. “Avançar para uma greve agora? Não me parece”, responde, numa altura em que as negociações do novo estatuto profissional parecem ter estagnado por razões desconhecidas. No Verão passado os juízes ameaçaram fazer greve à validação das listas eleitorais das autárquicas, mas depois desistiram. “Um poder de Estado não faz greve a um acto eleitoral”, observa Adelina Barradas de Oliveira.

Pacto é "decepcionante"

O único homem nesta corrida, Manuel Ramos Soares, tem experiência nestas lides, ou não tivesse sido secretário-geral da associação sindical durante seis anos, até 2012. No Verão de 2017 votou a favor de levar por diante o boicote eleitoral, defendendo o aumento dos ordenados líquidos de todos os juízes sem excepção. Não pertence a nenhuma das duas tendências associativas e mostra-se descrente do pacto para a justiça. “Se se espremer aquilo, só meia dúzia de medidas tem interesse”, avalia. “O essencial, como evitar a funcionalização dos tribunais, não está lá. É decepcionante.” Foi o primeiro candidato a avançar e critica os políticos que “não gostam do Estado de direito quando ele lhes bate à porta”. A equipa de que fez parte durante seis anos teve duras batalhas com o então primeiro-ministro José Sócrates. No que concerne aos problemas de lentidão da justiça, o candidato afina pelo mesmo diapasão dos seus pares: “A rapidez é mais susceptível de potenciar o erro.”

No próximo dia 20 de Março uma delegação da Associação Sindical de Juízes Portugueses irá à comissão parlamentar de direitos, liberdades e garantias falar do pacto. Integrará tanto os dirigentes prestes a cessar funções como os que ganharem as eleições do próximo sábado. O que dirão aos deputados estes últimos dependerá de quem vencer a disputa. Correcção: por lapso dizia-se que os juízes iriam ao Parlamento no próximo dia 20 de Janeiro, quando a data certa é 20 de Março

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