Alcoólicos em tratamento estão sem medicamento desde Novembro

Especialistas lançaram uma petição na qual apelam à reposição imediata do medicamento que continua disponível em Espanha e que aumenta em 30% as hipóteses de sucesso no tratamento do alcoolismo.

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Adriano Miranda

Os alcoólicos em tratamento estão desde Novembro sem poderem recorrer ao Tetradin, um medicamento utilizado no tratamento do alcoolismo que está indisponível nas farmácias portuguesas. Indignados com a situação, que “prejudicou centenas de doentes que recaíram ou não conseguiram iniciar o tratamento”, segundo adiantou ao PÚBLICO o psiquiatra Domingos Neto, duas centenas de profissionais da área e familiares de doentes subscreveram, no início deste mês, uma petição pública pedindo “a reposição imediata deste medicamento no mercado português”.

Capaz de aumentar em 30% o sucesso no tratamento da dependência alcoólica, o medicamento cuja substância activa é o dissulfiram continua à venda em países vizinhos como Espanha e França, segundo a referida petição. A sua indisponibilização nas farmácias portuguesas “compromete gravemente a saúde” de muitos alcoólicos em tratamento que, sem hipóteses de recorrerem àquele antagonista e sem qualquer outro medicamento similar a que possam recorrer, tendem a recair no consumo.

“Era uma arma interessante, e o facto de não podermos contar com ela prejudica claramente o tratamento de muitos doentes, fundamentalmente aqueles que têm uma grande dificuldade em parar de beber”, explica Ana Feijão, coordenadora da Unidade de Alcoologia do Centro. Na prática, o dissulfiram funciona para os doentes “como uma espécie de policiamento de si próprios”, isto é, “eles sabem que estando a tomar o antagonista não podem beber, sob pena de sofrerem sintomas físicos muito desagradáveis”.

“Se o doente beber álcool ‘em cima’ do medicamento, fica vermelho, tem uma baixa de tensão, sente-se mal, pode vomitar, fica ansioso e tem um aumento da frequência cardíaca, embora não corra risco de vida”, especifica o psiquiatra Domingos Neto. Durante os 12 anos que esteve à frente da Unidade de Alcoologia de Lisboa, este especialista em comportamentos adictivos tinha no Tetradin “um excelente ajudante da abstinência” e prescreveu-o “em larga escala” aos cerca de três mil doentes que internou naquele período. Hoje continua a prescrevê-lo aos seus doentes. “Entrei em acordo com uma farmácia que o importa de Espanha. A diferença é que antes uma caixa com 60 comprimidos que dava para oito meses de tratamento - porque só prescrevia um quarto por dia - custava 4,60 euros. Agora, compramos 40 comprimidos por cerca de 18 euros”.

"Acerto de preços"

Admitindo que pudesse ter havido “um acerto de preços, porque se tratava de um medicamento muito barato”, Neto diz-se indignado com a interrupção do seu fornecimento que admite poder dever-se a uma tentativa de inflacionar o seu preço. Na petição dirigida ao ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, alude-se ao facto de a empresa que distribui o Tetradin, a Caldeira & Metelo, ter alegado que o fabricante indiano tinha deixado de fornecer para a Europa. “Já houve uma tentativa por parte do laboratório para descontinuar o fármaco há alguns anos”, denunciam os subscritores do documento, dos quais o primeiro é Domingos Neto.

Dizendo-se também preocupados com a “situação grave” que atravessam os doentes que estavam a fazer aquela terapêutica (alguns dos quais estão a ser aconselhados pelos seus médicos a adquirirem o medicamento em Espanha, se tiverem condições económicas para tal), os deputados do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda perguntaram entretanto ao ministro da Saúde por que motivo a empresa titular de autorização de introdução no mercado do Tetradin não disponibiliza o medicamento no mercado português e quando é que este vai ser de novo disponibilizado. Por outro lado, e perante tão longa ruptura, os bloquistas querem saber que medidas estão a ser equacionadas pelo Infarmed para assegurar o acesso dos doentes em tratamento ao medicamento.

Na petição, os autores dizem ter recebido do Infarmed a indicação de que o medicamento vai regressar ao mercado em Abril. O PÚBLICO contactou a entidade reguladora do medicamento mas não obteve uma resposta.

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