Só um desastre no PSD pode satisfazer a ambição de Cristas

O que Assunção Cristas diz ambicionar é para ser ouvido, mas não "para levar à letra", dizem analistas. A líder do CDS está com um élan que não se vê em Rui Rio. Quem ganha com o jogo à direita?

Foto
O CDS ainda não tem uma base nacional muito forte, mas o eleitorado vota cada vez mais em líderes — e nas autárquicas mostrou gostar de Cristas Paulo Pimenta

Quando se encontraram pela primeira vez, pousado numa mesa do hall de entrada da sede do CDS estava um jornal com uma fotografia de Rui Rio e António Costa que dizia "entre estes dois... venha o diabo e escolha". O jornal foi recolhido antes que o novo líder do PSD chegasse, mas a ideia estava já na cabeça dos centristas. Assunção Cristas queria aproveitar a mudança de liderança nos sociais-democratas para dar o grito de independência em relação ao PSD e assumir-se como "a única alternativa" para quem não se revê na política de António Costa. E numa altura em que um vice-presidente do PSD deu a entender ao Expresso que o partido não conta com uma vitória nas eleições de 2019, Cristas vai em contracorrente e assume querer ser "primeira-ministra". Ideia "megalómana", "exagerada", "ridícula", mera retórica política ou declaração para levar a sério? E quem ganha com esta divisão mais notória à direita?

Verdade de La Palice: a realidade política é dinâmica e o que hoje parece impossível não quer dizer que não venha a acontecer. É nesse jogo das possibilidades quase impossíveis que Assunção Cristas apostou todas as fichas, rompendo com o tradicional aliado, dizendo que não só quer concorrer de forma independente como vai à luta para lhe conquistar eleitorado. E mais, que não só quer ficar à frente como quer ser "primeira-ministra". 

Rui Rio e Assunção Cristas são políticos diferentes, com tempos diferentes e formas de actuar diferentes. E o tempo que Rio não tem quer Cristas aproveitar. Para o professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica André Azevedo Alves, este entusiasmo da líder do CDS pode ser circunstancial, pura "retórica política". "Tem de ter a ambição de ser o principal partido à direita. Deve ser entendido nesta lógica, mas não levado à letra", diz ao PÚBLICO o docente universitário. 

Na base da avaliação do professor estão vários indicadores. Mais do que o resultado das eleições locais em Lisboa, que entusiasma Cristas, Azevedo Alves diz que se deve "olhar para o resultado nacional das autárquicas. Daí não há nada que se possa extrair que sugira que o CDS está a entrar em concorrência com o PSD. Neste momento, olhando para estes resultados, sondagens e outros indicadores, não vejo propriamente uma vaga de fundo que indicie o que o CDS ambiciona a curto prazo". Falta a "base nacional", e não apenas na capital, e que algo, de mau, aconteça no PSD.

PÚBLICO -
Aumentar

Mais do que projectar o CDS por si - as últimas sondagens não mostram um crescendo na popularidade da líder do CDS nem a capitalização galvanizadora do partido com o momento menos bom do PSD -, Cristas precisa de um fracasso no PSD. "Se algo que aconteça no interior do PSD se acentuar, daí pode ser", mas era preciso que fosse algo "significativo", "fracturante", diz Azevedo Alves, que não o prespectiva.

O comentador e conselheiro de Estado Luís Marques Mendes acredita que o CDS consegue "entrar no eleitorado do PSD, se o PSD estiver mal. Se cometer os mesmos erros que cometeu em Lisboa nas autárquicas. Se isso não acontecer, mesmo não sendo brilhante, não vai acontecer" de modo a satisfazer as ambições da líder do CDS.

Apesar de todos os "ses", ambos defendem que o PSD cometerá um erro se "subestimar" Assunção Cristas e o ambiente que cria à sua volta. E aqui fala-se de Cristas, mais do que o CDS, numa altura em que, como analisou a politóloga Marina Costa Logo num artigo em que avalia as intenções de voto depois da crise, os eleitores, cada vez mais, olham sobretudo para o líder partidário, mais do que para os partidos. A percepção do valor do líder tem um peso crescente, segundo o artigo Prime ministers in the age of austerity: an increase in the personalisation of voting behaviour. "Nessa realidade fluída que é a nossa, vemos que o líder partidário é central para o sentido de voto dos portugueses”, alerta Marina Costa Lobo, em respostas ao PÚBLICO, num artigo publicado antes da eleição de Rio para líder do PSD.

Cristas joga aqui com várias vantagens em relação a Rio, nota Marques Mendes: é mulher, jovem, ambiciosa e não tem anticorpos no eleitorado do PSD, como tinha Paulo Portas. "Cristas é o oposto, entra no eleitorado do PSD, mas não tem o talento político de Paulo Portas", diz o comentador. 

Já em termos comunicacionais, jogam os dois no mesmo tabuleiro: a forma sobressai face ao conteúdo, mas Cristas está a ser "mais eficaz" na forma como a usa, e Rio ainda não conseguiu fazer a nível nacional o que fazia enquanto autarca, avalia Vasco Ribeiro, professor de Comunicação Política da Universidade do Porto. Deste ponto de vista, “Cristas tem todas as condições para entrar no espaço de Rio", porque encaixa nos padrões do centro-direita: "O que ela é, não o que projecta ser mas mesmo o que ela é, representa o eleitorado de centro-direita", analisa.

Contudo, também este especialista  defende que algo tem de acontecer aos sociais-democratas para que os centristas passem a ser o partido mais forte, no curto-prazo. "Não se deve subestimar Rui Rio" apenas porque tem estado mais afastado. "É muito metódico, não toma medidas avulso, faz o que os manuais mandam. Nesse sentido, é um bom produto de comunicação política", porque se concentra "no inimigo comum, nas causas comuns". Para já, "não o está a conseguir", porque "não está a impor o seu tempo". Mas Rio "sabe esperar".

No fim das contas, com a direita de costas voltadas e a pouco mais de um ano de eleições, "de facto, a posição parece confortável para o PS", diz Azevedo Alves. Marques Mendes também não duvida que os socialistas são quem mais ganha com este jogo da direita, politicamente, mas também aritmeticamente: o métido de Hondt, que traduz os votos em eleitos, favorece coligações, lembra.

Sugerir correcção
Ler 11 comentários