Afinal, o Archaeopteryx era um voador mas não como as aves modernas

Há mais de 150 anos que se tem vindo a estudar o Archaeopteryx mas não se sabia bem se voava ou não nos céus do Jurássico. Uma equipa de cientistas revela agora que esta dino-ave deveria voar como um faisão e em distâncias curtas.

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Exemplar de Munique, um dos três estudados,Exemplar de Munique, um dos três exemplares estudados Pascal Goetgheluck/ESRF,Pascal Goetgheluck/ESRF
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O exemplar de Munique no sincrotrão Pascal Goetgheluck/ESRF

Um dos fascínios dos fósseis está no seu poder em suscitar questões. E um grande exemplo é o dos fósseis do Archaeopteryx, que já foi considerado a primeira ave e agora é uma dino-ave, ou seja, está na transição entre os dinossauros e as aves. Mas já voava como as aves que vimos hoje no céu? Como as respostas às questões lançadas pelos fósseis estão neles próprios, uma equipa de cientistas fez uma análise a três exemplares de Archaopteryx no Laboratório Europeu de Radiações Sincrotrão (ESRF), uma poderosa máquina de raios X em Grenoble (França). Percebeu-se que estas dino-aves teriam um voo activo que lhes possibilitaria percorrer pequenas distâncias e que seria diferente do voo das aves modernas. Esta “descolagem” do Archaopteryx foi divulgada esta terça-feira na revista científica Nature Communications e é a primeira prova sólida e directa de que seria um voador activo.

O Archaopteryx viveu no período do Jurássico (há cerca de 200 milhões a 140 milhões de anos). Desde meados do século XIX, já se descobriram 11 exemplares de Archaopteryx. Os três exemplares agora analisados estão todos na Alemanha e são identificados no artigo como o quinto exemplar, que se chama “Exemplar de Eichstätt”, porque está no Museu Jura, na cidade de Eichstätt; o sétimo exemplar, conhecido como “Exemplar de Munique”, pertence ao Museu de Paleontologia de Munique; e o nono exemplar, vulgarmente chamado “Asa de Frango”, está no Museu Bürgermeister-Müller.

Estes exemplares terão habitado um ambiente com matagais, ilhas e lagoas, situado no que é hoje a Baviera, na Alemanha. Não eram grandes: tinham o tamanho de pombas grandes. E, se até ao final do século XX, o Archaopteryx foi considerado a “primeira ave”, depois ficou classificado na transição entre os dinossauros e as aves. 

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Ilustração do Archaeopteryx Jana Ružicková

Até agora, tinha sido difícil perceber se o Archaopteryx voava ou não. Mas, através de uma técnica de microtomografia – que fez a reconstituição dos fósseis em 3D e permitiu visualizar o seu interior sem os danificar – com radiação dita de “sincrotrão”, gerada por poderosos feixes de raios X, desvendaram-se alguns pormenores sobre o voo do Archaopteryx. Para tal, os cientistas consideraram ossos como o úmero (no esqueleto do braço) e a ulna (no esqueleto do antebraço). Depois, analisaram-nos quanto à quantidade de osso e à resistência da massa relativamente às forças de tracção (presentes no voo). E por que analisaram ossos do braço? Porque sabiam que estão relacionados com o voo nas aves. Por fim, fizeram-se comparações com um grupo de crocodilos, pterossauros e dinossauros (em que se incluíram as aves).  

Voava como um faisão

Viu-se que os ossos do Archaopteryx partilhavam adaptações ao voo com as aves modernas. “Percebemos imediatamente que as paredes ósseas do Archaopteryx eram mais finas que as dos dinossauros terrestres mas pareciam-se muito com os ossos típicos das aves”, diz Dennis Voeten, do ESRF e principal autor do trabalho, num  comunicado do seu laboratório. “Além disso, os dados da análise demonstram que os ossos do Archaopteryx estão mais próximos de aves como o faisão, que ocasionalmente usam um voo activo [seriam capazes de ascender] para ultrapassar barreiras ou evitar predadores, mas não das formas de planar e de deslizar de muitas aves de rapina e aves marinhas que são optimizadas para o voo duradouro.”

Os ossos do Archaopteryx tinham ainda uma baixa resistência à tracção, enquanto as aves de voo prolongado têm uma resistência elevada. Também se verificou que não tinham certas adaptações ao voo, como a escápula – situada na cintura escapular (ou peitoral) – que as aves modernas têm e lhes permite alcançar um voo potente. “As aves modernas usam um voo activo através de um ciclo de batida das asas em que uma batida mais ou menos orientada para baixo é alternada por uma batida de recuperação mais ou menos orientada para cima”, lê-se no comunicado. “O Archaopteryx era provavelmente incapaz dessa forma de batimento das asas, então sugerimos que deveria mover as asas mais para a frente e para cima, seguido de um movimento de costas para baixo.” Além disso, o batimento das asas desta dino-ave só conseguiria assegurar distâncias curtas. 

E o que nos mostra este estudo? Elucida-nos sobre a forma como o Archaopteryx voava e dá-nos pistas sobre a evolução do voo dos dinossauros. “Sabemos agora que o Archaopteryx tinha já um voo activo há cerca de 150 milhões de anos, o que implica que o voo activo dos dinossauros se tenha desenvolvido ainda mais cedo”, diz com entusiasmo Stanislav Bureš, da Universidade de Palacký (República Checa) e autor do estudo. E salienta-se ainda no comunicado: “Agora fica nítido que o Archaopteryx é um representante da primeira onda de estratégias de voo dos dinossauros já extintos.” Agora também é considerado o membro voador mais antigo do clado Avialae, “que inclui não só aves modernas como também todos os dinossauros extintos mais próximos do pardal-doméstico do que do Deinonychus”, género de dinossauros carnívoros, como se explica no comunicado.  

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Dennis Voeten, o principal autor do estudo aponta para um exemplar chamado "Asa de Frango" ESRF

Contudo, os cientistas avisam que ainda há muito a perceber quanto ao voo desta dino-ave, tal como a forma como conseguiam levantar voo e como usavam exactamente as asas. “Para responder a essas questões, é necessário conhecer melhor a fisiologia do Archaopteryx. A investigação futura nestes fósseis icónicos deverá conseguir descobrir mais peças do puzzle e aumentar a nossa compreensão sobre o estilo de vida do Archaopteryx”, referem no comunicado.

Martin Röper, curador de um dos Archaopteryx estudados e autor do trabalho, ainda nos aguça o apetite desses tempos com uma possível migração do Archaopteryx entre as ilhas que habitaria: “Sabemos que a região à volta de Solnhofen, no Sudeste da Alemanha, foi um arquipélago tropical, e o ambiente parece altamente adequado para [o Archaopteryx] saltar a ilha ou para um voo de fuga.” Fiquemos com esta imagem dos céus do Jurássico.

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