Português ajuda famílias a recuperar restos mortais de antigos militares

As principais dificuldades na trasladação são a falta de documentação e o elevado custo do processo. “É triste porque foi alguém que lutou por uma causa, bem ou mal, e que ficou para trás e ficou abandonado”, diz Carlos Rosa.

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Carlos Rosa
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O português Carlos Rosa chegou a Angola em 2009, para trabalhar numa construtora, mas os últimos seis anos foram também passados a seguir o rasto de ex-militares cujos restos mortais nunca chegaram a ser recuperados pelas famílias, em Portugal. O primeiro caso que, a partir de Luanda, ajudou a resolver foi concluído em Dezembro de 2017, com a chegada a Portugal dos restos mortais de um soldado pára-quedista — o segundo deverá avançar nas próximas semanas.

“Também fui militar. Não lutei, mas cumpri o meu dever. E estes senhores todos que estão aqui é que são os heróis. E os heróis devem ser honrados”, desabafa, durante a visita a um antigo cemitério do Sassa, no Caxito, na província do Bengo, a mais de 60 quilómetros de Luanda.

Por ali, entre o som dos pássaros e da floresta, os muros do cemitério já foram tomados pelo mato, o portão não funciona e no interior é possível encontrar pratos de comida e restos de animais em decomposição. Entre o capim, com mais de um metro de altura, as cruzes brancas que assinalam as campas dos ex-militares portugueses, totalmente ao abandono e vandalizadas, são as primeiras a ser avistadas, ao longe.

Mais de perto, as sepulturas, todas alinhadas—- pelo menos as que são possíveis de identificar entre o capim — variam nos nomes, datas e companhias em que os militares prestaram serviço, mas todas terminam, em letras de bronze que ainda se conservam, com a frase: “Por Angola”. “É triste. É triste porque foi alguém que lutou por uma causa, bem ou mal, e que ficou para trás e ficou abandonado”, confessa.

Trasladação pode chegar aos 8000 euros

Desde 2012 que Carlos Rosa, de 49 anos, percorre cemitérios angolanos, recebendo informações de familiares de antigos militares através das redes sociais. No terreno, trata de confirmar a localização das campas, antes de avançar com o pedido de documentação às autoridades angolanas e os contactos com as funerárias locais, para assegurar o difícil processo de trasladação.

Além das dificuldades, por falta de documentação ou autorizações, a trasladação dos restos mortais de cada militar pode chegar aos 8000 euros, custos que têm sido as próprias famílias e grupos de ex-militares a suportar.

“Faço isto como uma parte humana, no sentido de ajudar essas pessoas, sem lucro nenhum, sem qualquer intenção de mais nada e como português. Acho que é uma vergonha para o Estado português e para os portugueses ter esta situação, visto que noutros países, como na Guiné ou em Moçambique, se conseguiu fazer todas as trasladações”, conta, inconformado.

Só neste pequeno cemitério no Caxito é possível identificar duas dezenas de sepulturas, ao abandono, com lápides partidas, de antigos militares, todos dos anos 60, do início da guerra colonial em Angola.

A 60 quilómetros de distância, já no centro de Luanda, no sobrelotado Cemitério de Santa Ana, um talhão militar guarda as sepulturas abandonadas de outras dezenas de militares portugueses. Incluem-se comandos e pára-quedistas, algumas também vandalizadas ou abertas, como a Lusa constatou.

Ainda assim, Carlos Rosa rejeita responsabilizar Angola por este cenário: “Não censuro Angola, a culpa é portuguesa. Portugal devia ter feito mais. Como português, acho que isto não foi correcto. Ninguém deixa ninguém para trás”.

Foi, de resto, neste cemitério, próximo do centro de Luanda, que este expatriado português confirmou a presença da sepultura de António da Conceição Lopes da Silva, um soldado pára-quedista morto em combate em Angola em 1963. A pedido da filha do antigo militar, o processo de trasladação, recordou, levou praticamente cinco anos a concluir, até à chegada dos restos mortais ao concelho de Tondela (distrito de Viseu), em Dezembro último.

Sem adiantar mais pormenores sobre o segundo processo de trasladação que está a concluir, este antigo militar da Marinha portuguesa confessou que se sentiu honrado por ter ajudado até agora, mas também admite, revoltado, que o Estado português “é que se devia preocupar” com a situação destas sepulturas ao abandono. “Mas o que vemos é o desinteresse de Portugal”, atira.

Enquanto está em Angola, a “tarefa” a que Carlos Rosa deu corpo é fazer a ponte com as famílias dos antigos militares, em Portugal. Uma espécie de “elo de ligação”, que também descreve como uma “missão patriótica e pessoal”.

“O que me levou a abraçar esta causa, ao fim e ao cabo, é ser português, ver quem lutou por um país e que ficou para trás e dos quais o Estado português nunca mais se lembrou. E os familiares, todos eles perderam os seus entes queridos, filhos, irmãos. E, se fosse comigo, também gostaria que alguém me ajudasse”, conclui.

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