Vem aí uma vaga de emigração de jovens médicos?

O presidente da Associação Europeia dos Médicos Hospitalares e o ex-presidente do Conselho Nacional do Médico Interno estimam que dentro de três a cinco anos a emigração volte a aumentar. Tudo por causa do número cada vez maior de jovens médicos que ficam sem vaga para fazer a especialidade em Portugal.

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Não existem vagas de internato da especialidade para todos os que terminam o ano comum de Medicina José Fernandes / Arquivo

Muitos médicos especialistas saíram do país, nos últimos anos, em busca de melhores condições de trabalho. O movimento parece ter abrandado. Mas João de Deus, presidente da Associação Europeia dos Médicos Hospitalares, alerta para um novo, que se adivinha, com características diferentes: em cinco anos, acredita, assistiremos a um boom de jovens médicos a sair em busca de uma vaga para fazer a sua formação especializada — porque não a encontram em Portugal.

Esta ideia é corroborada pelo ex-presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, Edson Oliveira, que acredita que esse movimento pode mesmo começar já dentro de três anos, com o acumular de jovens que vão ficando sem vaga para completar a formação.

Carlos Cortes, presidente do Conselho Nacional de Pós-Graduação da Ordem dos Médicos, lembra que os médicos que não têm especialidade estão desprotegidos por ausência de soluções. Ou arranjam outros empregos ou trabalham como tarefeiros, sobretudo nas urgências. São profissionais indiferenciados.

Depois de um crescendo de médicos já especialistas a sair para o estrangeiro — que atingiu o máximo em 2015 com 475 profissionais a pedir a declaração à Ordem dos Médicos para exercer noutro país —, no ano passado as saídas desceram para números que o presidente da Associação Europeia dos Médicos Hospitalares estima corresponderem a menos de metade.

Mas esta tendência vai inverter-se, acredita João de Deus. “O fluxo migratório dos especialistas depende das opções políticas e pode não sofrer grandes alterações, mas a emigração aumentará pelos que procurarão fazer uma especialidade. Estão a ficar, todos os anos, algumas centenas de jovens médicos fora da especialidade, que se vão acumulando. Penso que nos próximos cinco anos vamos ter um movimento a emigrar.” Foi, sublinha, o que já aconteceu em Espanha e o que ainda acontece em Itália.

Desde 2015 que não existem vagas de internato da especialidade para todos os que terminam o ano comum de Medicina (primeiro ano de práticas após a conclusão da universidade). A estes ainda se juntam algumas centenas de jovens que fizeram o ano comum no estrangeiro e que querem fazer a especialização em Portugal. No ano passado, abriram 1764 vagas para 2400 jovens médicos candidatos, deixando de fora cerca de 640.

“O número global excede as capacidades formativas que temos. Com a deterioração das condições de trabalho muitos médicos saíram do Serviço Nacional de Saúde e com menos médicos para formar os mais novos, temos menos capacidades formativas”, aponta o presidente da associação europeia.

Apesar de serem cada vez mais os que ficam de fora, essa realidade parece não estar a ter ainda reflexo nos números da emigração médica. O que se poderá explicar pelo facto de alguns esperarem para repetirem o exame de acesso ou procurarem outras soluções de emprego como investigação e a indústria farmacêutica. Mas estas áreas não terão capacidade para absorver todos os que ficarão de fora, aponta Edson Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Médico Interno entre 2015 e 2017. Com o número actual de vagas que existem nas faculdade de Medicina “vamos ter cada vez mais pessoas sem acesso à especialidade que vão procurar fazê-la lá fora”. E acrescenta: “Acredito que dentro de três anos poderemos estar a assistir a este movimento, quando o número de pessoas fora do sistema ultrapassar as 800.”

Emigração sem retorno

“Tendo em conta que a nossa formação pós-graduada tem muita qualidade, é uma pena ver isto acontecer”, destaca Edson Oliveira, actualmente na secção regional sul da Ordem dos Médicos, referindo que “Bélgica, Suíça, Alemanha, Reino Unido são países que gostam muito dos alunos e internos portugueses e querem ficar com eles”.

Destaca uma outra realidade que esta nova emigração pode trazer: “Estamos a falar de jovens que deixarão o país com 27 anos. Na maior parte dos países o internato dura cinco anos. Esta é uma emigração sem retorno porque acabarão por fazer a sua vida lá.”

“A situação dos médicos sem especialidade preocupa-me imenso porque estão completamente desprotegidos”, diz Carlos Cortes, presidente do Conselho Nacional de Pós-Graduação e da secção regional do centro da Ordem dos Médicos. “O Ministério da Saúde não está preocupado com eles e não está a preparar nada para os enquadrar em termos formativos e de prestação de cuidados de saúde. É uma situação propícia à fuga destes médicos para o estrangeiro. A Ordem já alertou o ministério que tem de fazer alguma coisa”, afirma.

Os fluxos migratórios na Europa não têm todos a mesma razão. “Em Itália muitos jovens saem para fazer a especialidade. Há muitos movimentos entre a Dinamarca, a Suécia e a Noruega, pela questão da língua, tal como entre a Irlanda e Inglaterra. Nos países do Leste são claramente motivos salariais o que leva os médicos a sair. Na Roménia e Bulgária os salários são muito baixos, entre os 300 e os 500 euros”, explica João de Deus. Numa lista elaborada pela associação que lidera, com dados de 2016, que compara apenas salários de médicos para 35 horas semanais de trabalho, Portugal é o 14.º, entre 23 países.

Os médicos especialistas que nos últimos anos saíram fizeram-no essencialmente por estarem desmotivados, pela “falta de reconhecimento” e de “perspectivas de trabalho para si e para a sua família”, diz Carlos Cortes. Outros “quiseram conhecer novas realidades, trabalhar noutras áreas” e ter outras condições financeiras. Reino Unido, França, Espanha, Arábia Saudita, Brasil, Alemanha são alguns dos países de emigração.

Já os jovens médicos sem especialidade têm uma prioridade: completar a formação.

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