Paulo Bragança: “Estamos confinados ao degredo da vida e estamos cativos dela”

Cativo, o primeiro disco de Paulo Bragança na última década e meia, chegou às lojas. E agora mostra-se ao vivo em vários palcos.

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Paulo Bragança LUIS CARVALHAL
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Capa do EP Cativo DR

Finalmente o disco. Acaba de chegar às lojas Cativo, que assinala o regresso de Paulo Bragança às gravações e também a Portugal, onde tem vindo a actuar em vários palcos desde que se reinstalou no país, em 2017, após onze anos de ausência na Irlanda. É um EP com sete temas, não é ainda o disco de originais que ele tem “praticamente pronto” e que deverá sair no próximo Verão ou na rentrée. Mas os sete temas de Cativo têm, no seu conjunto, uma duração não inferior à dos antigos LP, cerca de 38 minutos. Pelo que, na verdade, estamos perante um disco completo, não ainda de originais (como promete que será o próximo, que se chamará Exílio), mas de versões com um original, que ele escreveu de parceria com Carlos Maria Trindade e a que foi dado o nome de Peregrino.

“O Peregrino abre as portas aos outros todos”, diz Paulo Bragança diz ao PÚBLICO. “Foi aquele tema que nós achámos que estava mais próximo de poder ser publicado.” O disco é, acrescenta, “uma introdução, pela minha sede de chegar e de poder ir a palco. Digamos que, não o inferiorizando de forma alguma, Cativo é o prefácio de Exílio.”

A boémia do fado

E o que se “escreve” em tal prefácio? Para começar, um fado dos menos conhecidos do disco Um Homem na Cidade, de Carlos do Carmo: Rosa da noite. Paulo alterou a letra de Ary dos Santos, ligeiramente: “A letra diz ‘nasci e cresci aqui’, mas eu não podia em consciência dizer isso, porque não nasci em Lisboa [nasceu em Luanda, Angola, em 2 de Setembro de 1971]. Lisboa foi onde me fiz homem, onde me fiz, refiz e me estou a refazer. Por isso mudei a letra para ‘não nasci, mas cresci aqui’. Faz toda a diferença.”

O segundo tema é Biografia do fado, de Carlos Ramos. “Eu morava em Cascais e ia muitas vezes ao Forte Dom Rodrigo. E o Rodrigo, que já não vejo há anos, cantava-o. Para mim, é quase como um reviver de todo aquele começo, quando nas casas de fado as pessoas se punham de pé a bater palmas.” Paulo tinha 17 anos: “Tive a sorte de ainda conhecer personagens como o Manuel de Almeida, o João Nunes, a Teresa Tarouca, o António Melo Correia… Ainda conheci a Viela, onde cantava a Celeste Rodrigues.” Mas é também a forma como o fado é ali descrito que ainda hoje o cativa: “Isto não é o fado enquanto forma musical, mas feito pessoa, encarnado, de carne e osso, a andar pelas hortas, pelos retiros, fora de portas. E lembra outra coisa: a boémia do fado, que não se pode pôr numa prateleirinha, muito bonitinho, vestidinho e enlaçarotado.”

Exílio, ainda este ano

O disco inclui três temas gravados ao vivo no Caixa Alfama de 2017 e que Paulo já incluíra em discos seus, em gravações de estúdio: Mistérios do fado, Soldado e Remar, remar. “São temas que eu cantava e que eu sabia que eram muito fortes. O Soldado [um original dos Sitiados], para mim, não é menos fado do que um fado dito fado. O Remar, remar [original dos Xutos & Pontapés], só a palavra remete para a resistência de ter de continuar, e ao aplicar essa palavra a Portugal, para mim, está tudo dito.” O último tema é o mais longo: Caoineadh na dtrí mhuíre [em português, O lamento das Três Marias], cantado em gaélico irlandês ao longo de 7m25s. “Noventa por cento destas canções tradicionais irlandesas são cantadas pelo povo, e a capella. Eu ouvi esta numa missa.”

Antes de Cativo, Paulo gravara Notas Sobre a Alma, 1992; Amai, 1994, também editado pela Luaka Bop de David Byrne; Mistério do Fado, 1996; e Lua Semi-Nua, 2001.

Exílio, o disco seguinte, “já está gravado a 75 por cento”, afima. “É preciso meter umas guitarras e algumas vozes finais. Será todo de originais e deve ter uns 17 temas.” A ideia inicial era editar três discos, em sequência, mas comercialmente não seria muito viável, pelo que ficaram dois: Cativo e Exílio. O segundo título há-de ele explicá-lo este ano, quando for editado. Quanto a Cativo, explica-o assim: “A nossa vida é muito maior do que o nosso próprio corpo. E nós estamos, de alguma forma, degredados dentro deste corpo, confinados a esta bola a que chama Terra. Estamos confinados ao degredo da vida e estamos cativos dela. E acho que estamos também cativos de nós próprios.”

Cativo está a ser apresentado ao vivo nas Fnac (dia 16 no Chiado, 25 em Almada, 8 de Abril em Cascais), no Museu do Fado, em Lisboa (dia 24), no Teatro Miguel Franco, em Leiria, a 5 de Abril; e na Casa das Artes de Arcos de Valdevez, em 28 de Abril.

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