Centrar os cuidados na pessoa numa sociedade envelhecida

É na “construção” e “reconstrução” das configurações de cuidados baseada na interação entre profissionais, a pessoa e possíveis cuidadores que pode emergir uma nova geração de cuidados de que tanto precisamos.

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Precisamos de uma mudança de atitude, que otimize a autonomia e recursos da pessoa Nuno Ferreira Santos

“As pessoas não são um número.” Apesar de esta frase ser bem conhecida por todos nós será que, no universo dos cuidados, ainda persistimos  sendo “um número”? Será que, quando somos idosos e estamos nalguma condição de dependência que necessita de cuidados formais, somos tratados de forma uniformizada, “como se fôssemos um número”?

Uma das grandes implicações do envelhecimento da população é o previsível aumento de situações de dependência que necessitam de cuidados. E como serão os idosos de amanhã? A emergência de perfis novos e heterogéneos de pessoas velhas, a complexidade cultural, o crescente acesso a informação e literacia, as contínuas mudanças ambientais, societais e tecnológicas levam-nos a questionar: como quereremos que cuidem de nós no futuro? Que mudanças nos sistemas convencionais de saúde e cuidados em Portugal nos pedem estes “novos” idosos?

O surgimento de uma nova geração de modelos de cuidados às pessoas idosas parece ser premente. Os protótipos de robots assistenciais, o acesso massificado a tecnologias de comunicação e localização, as redes digitais de comunicação à distância, uma geração que já antecipa envelhecer mais informada, os crescentes grupos minoritários ou as novas configurações económicas das famílias e reformados facilmente nos fazem antever a necessidade de “novos cenários de cuidados” aos quais, muito provavelmente, as tradicionais estruturas/equipamentos não responderão. 

O que é o modelo de atenção centrado na pessoa?

Trata-se de um modelo profissionalizado em que o plano de cuidados é desenhado a partir das características e perspectiva da pessoa, que é ativa  e que decide conjuntamente com o profissional o seu plano de cuidados. Implica conhecer a história de vida e experiência subjetiva da pessoa, informar e criar uma relação de colaboração com a pessoa. São os serviços/o apoio que se adaptam à pessoa e não a pessoa que se adapta aos “serviços”. O eixo central é, assim, a narrativa da pessoa, o seu  sistema de relações, os seus recursos e potencialidades. O foco é apoiar a pessoa de forma a que, na medida do possível, continue a sentir controlo no seu contexto, nos seus cuidados e na sua vida quotidiana, desenvolvendo as suas capacidades e sentindo-se bem.

A perspetiva de prestação de cuidados centrada na pessoa é uma alternativa aos procedimentos uniformizados que derivam das necessidades associadas às classificações das doenças, graus de dependência e condicionantes relacionados com a organização. Não se trata de uma “ideia nova”; porém, a sua implementação implica desconstruir modelos fortemente enraizados na tradição de cuidados a pessoas idosas mais frequente em Portugal. Implica uma mudança de atitude em relação aos cuidados que se baseia na promoção da autonomia, na determinação e coresponsabilização da pessoa e otimização de recursos pessoais únicos.

Ainda que no futuro dos cuidados possamos contar com a extraordinária contribuição do desenvolvimento tecnológico, para a sustentabilidade de cuidados dignos e de qualidade ao crescente número de pessoas idosas, precisamos também de uma mudança de atitude, que otimize a autonomia e recursos da pessoa.  É na “construção” e “reconstrução” das configurações de cuidados baseada na interação entre profissionais, a pessoa e possíveis cuidadores que pode emergir uma nova geração de cuidados de que tanto precisamos.

Referências:
World Health Organization (2015) WHO, Global Strategy on Integrated People – Centred Health Services 2016-2026. Executive Summary. Placing People and Communities at the centre of Health Services

Koren, M. J. (2010). Person-Centered Care for Nursing Home Residents: The Culture – Change Movement, Health Affairs, 29 (2)

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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