Ficaram famosos por fazerem desaparecer pessoas. Vão ser julgados em Portugal

Dois dos maiores criminosos da Argentina foram apanhados em Portugal por assaltarem bancos e começam a ser julgados segunda-feira em Loures. Dizem que vão voltar a fugir.

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As autoridades pensam que Rodolfo Lohrmann terá estado ligado ao narcotráfico até muito recentemente Miguel Madeira

Levavam uma vida discreta em Portugal, depois de terem percorrido a Europa inteira. Quem se cruzava com eles não suspeitava estar perante dois dos maiores criminosos da Argentina, procurados há década e meia, com direito a cartazes com recompensa e tudo. Nem a Polícia Judiciária desconfiava, quando os deteve. Homicídios? Sim. Raptos? Também. Narcotráfico? Igualmente. Mas tinham gosto em ajudar velhinhas.

Rodolfo Lohrmann, de 53 anos, e José Maidana, hoje com 58, tornaram-se famosos em 2003, quando raptaram um jovem argentino de 21 anos, filho de um antigo ministro da Saúde. A família pagou mais de 250 mil euros, mas nunca mais viu o rapaz — nem morto, nem vivo. Entre os crimes atribuídas à dupla conta-se também o envolvimento no rapto e homicídio de Cecilia Cubas, filha do antigo Presidente paraguaio Raúl Cubas.

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Rodolfo Lohrmann é conhecido no mundo do crime como “Russo” DR

Nessa altura o seu aspecto talvez fosse diferente do actual, mas ninguém sabe bem: não há quase nenhumas fotos suas dessa altura, e depois disso sujeitaram-se a várias intervenções cirúrgicas que lhes poderão ter alterado a fisionomia. Certo é que pelo menos a partir de 2014 se fixaram em Portugal, vindos de um périplo por vários países europeus. As autoridades pensam que Rodolfo Lohrmann, conhecido no mundo do crime como “Russo”, poderá ter continuado ligado ao narcotráfico até muito recentemente. Mas não foi isso que o tramou. Ele e Maidana, alcunhado “Potro”, fixaram arraiais em pequenas localidades dos arredores da Ericeira e passaram a assaltar bancos com a ajuda do enteado de um deles, igualmente fugido à Justiça, e ainda um português que conheceram entretanto. Do grupo faz ainda parte um quinto membro.

O seu elevado profissionalismo intrigava os inspectores da Unidade Nacional de Contraterrorismo da PJ. Com a ajuda de marretas, entravam nas dependências bancárias já depois de estas terem encerrado ao público, mas quando os funcionários ainda se encontravam ao serviço, de cofres abertos e a contar o dinheiro. Nenhum dos assaltos pelos quais começam a ser julgados na segunda-feira no Tribunal de Loures durou um minuto sequer. Armados e com perucas, bigodes e máscaras faciais, apoderaram-se de pelo menos 235 mil euros entre 2014 e 2016. Mas poderão ter feito mais assaltos. Normalmente não eram violentos, mas de uma das vezes, no BCP da Guia, em Cascais, deram uma bofetada a uma funcionária grávida. “Acabo com a tua vida”, ameaçavam. “Te mato, te mato.” E o dinheiro voava dos cofres para os sacos de ráfia quadriculados que levavam para os assaltos.

Mas tudo tem uma explicação. Além de possuir vasta experiência no ramo bancário, a dupla encarregava os seus cúmplices de vigiarem as dependências que iriam atacar durante um mês, para se familiarizarem com as rotinas. Os cuidados de que se muniam não ficavam, de resto, por aqui: frequentavam tascas, em vez de restaurantes de luxo, levando vidas pacatas. E tinham várias casas alugadas pelas quais iam circulando, para despistar quem quer que pudesse andar no seu encalço. Nalgumas só pernoitavam de quando em vez.

Eram o sonho de qualquer senhorio: simpáticos, pagavam sempre a renda a tempo e horas. Justificavam as suas prolongadas ausências dizendo que andavam embarcados. Lohrmann chegou a passar tardes com uma idosa acamada, sua vizinha, para lhe fazer companhia.

Com dezenas de identidades falsas, trocavam com frequência de telemóvel. E quando falavam ao telefone faziam-no por código. O despacho de acusação dá conta dessa linguagem: porcos em vez de polícia, rapariga em vez de caixa ATM, avó, besta ou tia para designar as carrinhas de transporte de valores. Referiam-se às casas que habitavam por Virgindad e Ponderosa.

Conta-se que Lohrmann, o mais cerebral e tido como um verdadeiro psicopata, fugiu de uma cadeia búlgara escapando por um túnel escavado debaixo do muro, como nos filmes. Fê-lo juntamente com um assassino a soldo que também se encontrava preso. Terá pertencido aos serviços secretos argentinos no tempo da ditadura e há quem o associe a movimentos guerrilheiros como as FARC, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Torna-se difícil distinguir o homem do mito.

Já Maidana, que tem uma personalidade mais expansiva, evadiu-se de uma prisão espanhola antes de chegar a Portugal saltando de um 3.º andar de um hospital prisional. Com 1,90 metros de altura e praticante de desporto — até na cela o gosta de fazer —, falta-lhe um dedo na mão esquerda, fruto, ao que diz, de um tiroteio com a polícia. Mulheres não lhes são conhecidas: recorriam a prostitutas.

Sem saber com quem estava a lidar, a PJ foi vigiando o grupo até perceber que se preparavam para atacar uma carrinha de transporte de valores em Aveiro. Antes que o fizessem prendeu-os, em Novembro de 2016. Apresentaram identidades falsas, claro, mas Maidana não resistiu a puxar dos galões: “Não fazem ideia de quem somos.” Tinha razão, só que mais de um mês depois, e de muitos contactos com congéneres latino-americanas, mas também europeias, os inspectores descobriram que lhes tinha saído a sorte grande. “A sua detenção foi um marco histórico para os países onde actuavam”, garante fonte ligada ao caso, numa referência não só à Argentina, mas também ao Brasil e ao Uruguai.

E se os dois homens recusam uma possível extradição, isso poderá ficar menos a dever-se às condições das cadeias argentinas do que aos inimigos que foram criando por aquelas bandas. Detidos preventivamente na cadeia de alta segurança de Monsanto, foram visitados no final do mês passado por magistrados argentinos, que queriam que lhes dissessem onde tinham escondido o corpo do rapaz de 21 anos. Em troca, ofereciam-lhes o estatuto de arrependidos. Um dos reclusos não falou, o outro talvez o tenha feito.

Dias antes Maidana tinha tentado evadir-se, sem sucesso, juntamente com outros reclusos. Já depois disso continuaram a dizer que não ficarão por aqui. Que hão-de fugir de novo.

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