Macron e Modi estreitam laços para refrear ambições chinesas no Índico

Presidente francês e primeiro-ministro indiano reforçam cooperação militar no oceano Índico, num encontro destinado a converter a aliança num novo e dominante poder na região.

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Macron foi o centro das atenções ADNAN ABIDI / Reuters
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Presidentes de França e Índia, respectivas primeiras-damas e Modi (à direita) ADNAN ABIDI / Reuters
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Macron e Modi HARISH TYAGI / EPA

Despiu o casaco e, em mangas de camisa, o jovem Presidente francês (40 anos) deu uma aula de sedução aos 200 jovens estudantes universitários indianos que se juntaram para o ouvir em Nova Deli. “Vocês têm qualquer coisa para dar à França, e a França tem qualquer coisa para vos dar a vocês”, disse, em inglês.

Emmanuel Macron está no segundo dia de uma visita à Índia que assenta numa agenda tão preenchida como ambiciosa. O chefe de Estado francês e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, prevêem reforçar a cooperação bilateral num incontável número de sectores e comprovaram essa intenção logo no primeiro dia, com a assinatura de uma série de contratos comerciais cujo valor se calcula em cerca de 13 mil milhões de euros.

O principal destaque da visita vai, no entanto, para a subscrição de um acordo que permitirá aos indianos usufruírem das instalações militares francesas no Oceano Índico. Numa altura em que os chineses estendem os seus braços para a região, os restantes países europeus estão ocupados com os seus próprios problemas e os norte-americanos se retraem atrás da doutrina America first, Macron aspira tornar a parceria estratégica com a Índia uma aliança dominante na cena internacional e Modi olha para França como o parceiro ideal para contrabalançar a influência regional de Pequim.

Ameaçado pela sombra que a China faz no seu quintal, em grande medida resultante da concepção da nova rota da seda – o megalómano projecto chinês com vista à criação de um corredor alargado económico que ligue a China à Ásia Central, à Europa e a África, através de linhas de comboio, auto-estradas, portos, oleodutos e gasodutos –, e do consequente reforço da presença militar chinesa no Índico, Modi precisa de aliados fortes, para continuar a desempenhar o seu papel de principal garante da segurança e estabilidade na região. E com Londres – o parceiro histórico – embrulhada nas negociações com Bruxelas, rumo ao "Brexit", quem melhor do que Paris para ajudar Nova Deli a refrear os apetites de Pequim?

Para além de ser neste momento o país da União Europeia com mais vontade de assumir a liderança do bloco fora de portas – muito por culpa da determinação do seu Presidente em mostrar serviço e dos problemas políticos internos que mantêm britânicos, alemães, italianos e espanhóis, entre outros, ocupados – França tem ainda recursos apetecíveis na região, nomeadamente as suas bases militares no Djibuti (África), Abu Dhabi (Médio Oriente) e Reunião (oceano Índico).

Segundo a revista especializada em assuntos asiáticos Diplomat, o acordo entre Paris e Nova Deli prevê a utilização partilhada destas e de outras instalações navais, entre franceses e indianos, que permitirá à Índia alargar a sua capacidade de patrulhamento das congestionadas águas que separam o oceano Pacífico do mar Arábico.

Do lado francês olha-se essencialmente para o estreitar da cooperação militar no oceano Índico como uma das componentes de um compromisso estratégico alargado com a Índia. A perspectiva de os franceses poderem vir a substituir os britânicos como principais parceiros europeus da Índia não resulta apenas do contexto geopolítico, mas de uma ambição assumida pelo próprio Emmanuel Macron, que encara a missão como sendo naturalmente europeia.

“O vosso parceiro histórico sempre foi o Reino Unido e eu quero que a França se torne o novo parceiro de referência no século XXI. Penso que a Índia deve interagir muito mais com a Europa e com a União Europeia e quero que a França seja o seu ponto de entrada”, afiançou o Presidente, numa entrevista publicada no site da televisão India Today.

Cooperação alargada

A vasta gama de temas a discutir com Modi, durante o seu périplo pela Índia que termina segunda-feira, espelha bem o ambicioso desejo de Macron. Os dois líderes têm planos para reforçar a cooperação bilateral em sectores como tão distintos como a segurança, a defesa, o contraterrorismo, a educação, a urbanização, a ciência ou a tecnologia, mas também apontam ao lançamento de projectos orientados para o crescimento sustentável e para a cooperação energética. O Presidente francês e o primeiro-ministro indiano vão assinar um acordo de colaboração envolvendo os dois organismos que gerem a produção e distribuição da energia nuclear nos seus respectivos países e presidirão à primeira cimeira da Aliança Solar Internacional (ISA).

Lançada em 2016, a ISA nasceu de uma iniciativa conjunta entre França e Índia, e tem como principal missão desenvolver uma exploração eficiente da energia solar, de forma a reduzir a dependência dos seus Estados signatários nos combustíveis fósseis. É a primeira organização internacional baseada num tratado multilateral com sede na Índia e a sua primeira cimeira será acompanhada pela inauguração de uma central eléctrica em Dadar Kala, no estado indiano de Uttar Pradesh. Macron estará seguramente na linha frente, quem sabe se para cortar a fita.

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