A diplomacia da loucura

Como de opaca a presidência norte-americana não tem nada, é fácil antever que Trump irá a correr negociar com Kim, de forma a poder garantir que foi ele a acabar com a ameaça nuclear.

Mais um capítulo na longa série de televisão em que está transformada a vida na Casa Branca. Desta vez há uma personagem estrangeira em cena, mas tudo continua a ser demasiado transparente, demasiado exposto, demasiado superficial. E pouco parece ser verdadeiro.

É verdade que as personagens são as melhores: Donald Trump prova constantemente que a realidade vais mais longe que a ficção e Kim Jong-un encarna na perfeição o papel de vilão à boa maneira dos filmes de James Bond. Mas todo este ano foi demonstrando um guião sem grande categoria. Trump começou por prometer fogo e fúria ao regime pária da Coreia do Norte, vociferando contra os seus avanços nucleares. Esse fogo (e essa fúria) rapidamente foram remetidos ao devido lugar: a China demonstrou claramente que não iria tolerar intromissões na esfera de influência directa e a Coreia do Sul demonstrou que qualquer espécie de conflito iria condenar à morte imediata dez milhões de habitantes de Seul. O mau da fita foi-se divertindo a carregar nos botões dos ensaios nucleares, deixando o mundo civilizado à beira de um ataque de nervos e Trump ainda com mais vontade de mostrar que tinha um botão maior e mais ameaçador.

Mas tudo não passou de uma pequena exibição pública de força, sem que erla tenha sido consubstanciada pelas acções – que eram inviáveis neste contexto, como todos bem sabiam. Daqui para a frente, torna-se quase impossível antecipar o que se passa nas mais altas esferas do poder de Pyongyang. Pode ser que o pequeno líder norte-coreano tenha planeado estas jogadas desde o início, de forma a arrastar o gigante americano para a mesa negocial e usar os seus trunfos para conseguir um retorno em grande à cena internacional. Mas também é bem possível que esta lógica diplomática seja apenas mais uma manobra de diversão que permita ao regime consolidar ainda mais a sua investigação nuclear.

Como de opaca a presidência norte-americana não tem nada, é fácil antever que Trump irá a correr negociar com Kim, de forma a poder garantir que foi ele a acabar com a ameaça nuclear. Mas o optimismo de Donald pode ainda esbarrar no tacticismo (ou na loucura) de Kim, que nesta fase tem pouco a perder: liberto da ameaça da aniquilação, resta-lhe conquistar o reconhecimento do mundo e o regresso de alguma riqueza ao país ou então a manutenção da glória nuclear.

Um optimista poderá olhar para esta crise como a prova de que o nuclear deve ser erradicado do planeta, um realista irá lamentar que não se tenha feito alguma coisa antes de Kim chegar à tecnologia. Infelizmente, Trump não é uma coisa nem outra – e será ele a liderar o mundo livre na negociação com um regime que ninguém entende bem.

Sugerir correcção
Ler 6 comentários