Por detrás do glamour de Hollywood...

Como foi possível manter os abusos de Harvey Weinstein em segredo durante tantos anos?

O movimento #MeToo explodiu na sociedade americana no final do ano passado após a publicação de reportagens no jornal New York Times e na revista New Yorker que revelavam diversos episódios de assédio e agressão sexual por parte do produtor de cinema Harvey Weinstein. A essas revelações sucederam-se muitas outras feitas nas redes sociais pelas próprias vítimas revelando um padrão sistemático, ao longo de muitos anos, de um comportamento agressivo, violento e abusador, em que se misturam o assédio com a agressão e a manipulação com a intimidação, por parte de Weinstein. Quatro dos membros da administração da Weinstein Company demitiram-se e o próprio Weinstein foi despedido.

Os abusos de Weinstein, prevalecendo-se do seu enorme poder no mundo do cinema, capaz de fazer e desfazer carreiras, foram o detonador do movimento #MeToo em Hollywood que se alargou, já com a denominação Time’s Up, ao combate à discriminação e assédio sexual no trabalho e à luta pela paridade de género nos lugares de direcção das empresas.

Pouco tempo depois do início do movimento, começaram a ouvir-se críticas aos excessos desta nova vaga dos movimentos feministas, por resultarem em linchamentos públicos de pessoas, em geral homens, com base em depoimentos pessoais de difícil ou nenhuma comprovação sobre factos ocorridos há largos anos ou, até, numa lista de abusadores sexuais elaborada por uma pessoa, inicialmente anónima, que avisava, na própria lista que elaborara e divulgava no mundo digital, que a mesma não era fiável! 

Segundo os críticos, estava-se a assistir a uma caça às bruxas em que a presunção de inocência e o direito a um processo justo tinham sido substituídos pela justiça na praça pública ou, melhor, nas redes sociais.

O documento assinado por cerca de 100 actrizes francesas, entre elas Catherine Deneuve, combatendo o puritanismo sexual e defendendo o direito das mulheres a serem importunadas veio aumentar o ruído e a polémica mediática. Estas críticas, alegadamente procurando impor um bom senso conservador, foram, por sua vez, objecto de críticas violentas e contundentes das defensoras do movimento Time´s Up por, no fundo, defenderem um statu quo de discriminação e violência institucional e individual sobre as mulheres, branqueando os comportamento abusivos e criminais que esta nova vaga feminista visa eliminar.

Seguramente que este novo fôlego da luta feminista contra o sistema patriarcal que conforma as nossas sociedades modernas e antiquadas, lamentavelmente, fez e ainda fará vítimas que se deviam e podiam evitar; e é certo que os puritanismos, a devassa pública da vida privada e os fundamentalismos não trazem nada de bom mas, para mim, o movimento político Time’s Up transporta mudanças sociais e individuais seguramente positivas. 

Voltando ao ponto de partida: ler algumas das acções judiciais que correm nos tribunais norte-americanos contra Weinstein e as empresas a que estava ligado é verdadeiramente impressionante já que, durante anos e anos, primeiro na empresa Miramax e, a partir de 2005, na Weinstein Company, Harvey Weinstein criou uma vasta estrutura, com inúmeros cúmplices, homens e mulheres, suas assistentes, advogados, espiões, jornalistas e outros com o fim de angariar actrizes e candidatas a actrizes para satisfazer, a bem ou a mal, os seus apetites sexuais e, em seguida, através da intimidação, da perseguição, da destruição de carreiras ou através do pagamento de indemnizações acompanhadas de acordos de confidencialidade, sustentar e esconder essas suas sinistras actividades.

Desde as assistentes na Weinstein Company com a missão de marcarem os encontros em hotéis com as vítimas sob o pretexto de entrevistas ou castings que bem sabiam fictícios ou com a missão de limparem os escritórios depois das pretensas entrevistas, até aos ex-agentes da espionagem israelitas encarregues de obter informação confidencial e comprometedora para utilizar como chantagem, até aos advogados que negociavam e pagavam, com o conhecimento da administração da Weinstein Company, avultadas indemnizações nos casos mais difíceis a troco de acordos de confidencialidade, foi uma enorme e dispendiosa organização que funcionou durante anos a fio.

Como foi possível mantê-la em segredo durante tantos anos?

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