A Itália, o peso da Alemanha e a crise dos socialistas

Os países do euro e da UE vivem dias de incerteza e de falta de caminhos que conduzam a um futuro com dignidade.

As eleições na Alemanha realizaram-se em Setembro de 2017. Até à presente data ainda não foi formado governo, apesar de já terem passados quase seis meses.

É interessante constatar que em relação à Alemanha não há qualquer alma dorida sobre o tempo decorrido, nem sobre a suposta irresponsabilidade dos partidos políticos pela instabilidade criada pela ausência de governo. Assinala-se que a Bélgica, há uns anos, esteve mais de um ano sem governo.

Em Portugal, nas últimas eleições legislativas muito se falou sobre a dificuldade de António Costa formar governo após Passos Coelho ter borregado, como se sabia de antemão face às posições do PS, PCP, BE e Verdes.

As eleições em Itália tiveram lugar no domingo, dia 4 de março, e o Movimento Cinco Estrelas ficou em primeiro lugar, mas logo os títulos, ao contrário do que aconteceu na Alemanha (Merkel foi a mais votada, mas sem maioria absoluta), acentuavam a ingovernabilidade.

Com efeito, a grande Alemanha é intocável, mesmo quando gasta pelo menos seis meses a constituir governo, em contraste com as insinuações feitas à Itália, em que a diferença entre os votos obtidos pela CDU e o Movimento Cinco Estrelas não é significativo.

O que há em comum é a inclinação do PD em Itália e o SPD na Alemanha para o centro-direita, não permitindo gizar no espetro político uma alternativa clara ao neoliberalismo dominante na UE. É a desgraça de prometer uma política e fazer outra que desacredita a própria política e faz surgir os populismos e a extrema-direita na Holanda, Alemanha, Bélgica, Áustria, França, Hungria e nos países bálticos.

Na Alemanha, o SPD prometeu que não voltaria a fazer alianças com a CDU de Merkel e voilá caidinho nos braços da CDU, num forte abraço neoliberal. Na Itália, o PD nunca teve coragem de romper com a política neoliberal, apesar de se afirmar de centro-esquerda.

A modernidade para Renzi consistiu em inventar uma nova lei eleitoral que permitisse a formação artificial de maiorias que, como se viu face à artificialidade, foi castigado dura e materialmente.

O PD, partido social-democrata de última hora, formado com base nos comunistas arrependidos, prossegue, apesar do passado, os caminhos da social-democracia europeia, inclinando-se à direita, e perdendo influência, contribuindo para o reforço do populismo e da extrema-direita que se afirmam demagogicamente contra o statu quo.

É, aliado a outras situações na Europa, um exemplo a ter em conta pelo PS de cá. Uma viragem à direita para o centro, para o famigerado bloco central, em busca das grandes coligações, associa um partido que se diz de esquerda a uma grande força de direita, fazendo desaparecer as diferenças entre os principais partidos num enorme centrão onde nos caldeirões do poder se refogam cozinhados para servir às diferentes clientelas. São negociatas que espezinham o interesse público e servem os que fazem da política um instrumento de enriquecimento. É esta realidade que leva à desesperança e ao populismo. É tremendo fazer uma sementeira de desânimo fundado na camisa-de-forças da austeridade para a larga maioria da população e a riqueza pornográfica para uma ínfima maioria.

A ilusão com a eleição de Macron é efémera; todos os problemas da França se mantêm. Macron usou o mesmo truque dos populistas, fez de conta que a sua própria responsabilidade não era dele, mas dos outros, onde ele sempre navegou e continua a navegar, acentuando os lados mais negativos das desigualdades, dando mais dinheiro aos podres de rico e tirando a todos os outros, incluindo aos desgraçados que vivem abaixo do limiar da dignidade.

Os países do euro e da UE vivem dias de incerteza e de falta de caminhos que conduzam a um futuro com dignidade. É o que se sente. Acaso será possível no mundo atual governar como se apenas os interesses de uma minoria contassem?

São dias obscuros que se traduzem no afastamento dos cidadãos dos partidos políticos que os enganam com promessas que não cumprem e com desfaçatez sem limites, como foi o caso da do líder do SPD, Martin Schultz, de não se coligar com a CDU.

Se na União Europeia todas as autoestradas vão dar a Berlim, onde moram os donos dos Estados-membros, como se poderia imaginar que os povos e os países iriam ficar especados à beira dos caminhos que os conduzem ao declínio?

É bom de ver que neste primeiro momento optam por soluções que vão ser testadas e que não serão soluções, mas sim problemas acrescidos. Mas estes são os caminhos que os diferentes povos europeus estão a percorrer. E dos quais se desenganarão.

Há um aviso claro à navegação social-democrata — não insistam no erro de se aliarem à direita; se o fizerem, como fizeram os socialistas franceses, gregos, espanhóis, checos, holandeses, alemães, italianos, austríacos, belgas e suecos, continuarão a travessia do deserto e à míngua. A direção certa é virar à esquerda. Darão um grande contributo para a formação de maiorias claras para resolver os problemas criados pelo sistema financeiro que despreza quem vive do trabalho. Para manter o rumo neoliberal, nada como os verdadeiros geradores da austeridade, os oficiantes do Deus Mercado. Haja coragem. E que o PS de António Costa se mantenha imune aos cantos das sereias centristas.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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