Petição para sermos mais humanos

O activismo de muitos é focado nas vítimas brancas. Quando o terror ataca na Nigéria, ou em Israel, ou na Síria, quase ninguém repara ou se revolta.

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Kelly Sikkema/Unsplash

Gostaria de saber para que estamos a criar petições e a assiná-las. Como podemos confiar no julgamento dos seres bárbaros que cometem atrocidades e acreditar que, por enviarmos o nosso nome, eles pararão? Não sei bem como funcionam as petições, pergunto-me se os monstros lêem os nossos nomes e exclamam:

— Olha, estas pessoas todas estão contra o que fazemos, se calhar devíamos parar! — dizendo-o com sangue de pessoas que imploraram pela paz e pela vida nas mãos.

Se assinamos, mostramos a nossa força de activistas de sofá, mas a nossa opinião não deveria ter mais valor do que a das pessoas que eles mantêm trancadas. Eu ser contra não deve ser mais importante do que as súplicas de quem está cativo ou a ser torturado ou morto sem razão plausível. O que é uma razão plausível para prender ou matar quem não cometeu crimes? Afinal quem deveria ser preso? Ninguém deveria ser morto. Por que existem padrões duplos?

Não entendo por que tenho de assinar petições para que não haja vítimas. Eles estão em modo combate, guerra, modo de não ver a gravidade do que fazem. Gostaria de acreditar que eles têm um grilo falante algures escondido atrás da adrenalina que os relembra que estão a lidar com pessoas, seres complexos com tanto valor quanto eles, mas não acredito.

Não entendo por que tenho de assinar petições para parar a morte de crianças, idosos, doentes. Os soldados adultos na guerra estão lá porque querem, mas as pessoas que vêem a sua cidade, a sua casa, a sua vida, destruídas apenas por viverem "no palco" da guerra decerto não assinaram uma petição para que a guerra chegasse até elas.

Não entendo por que fomos todos Charlie Hebdo e só vi uma pessoa ser Síria no Facebook. O activismo de muitos é focado nas vítimas brancas. Quando o terror ataca na Nigéria, ou em Israel, ou na Síria, quase ninguém repara ou se revolta. Sentam-se no seu privilégio e sentem-se seguros porque o terror está a acontecer longe. A questão é que o longe deveria tornar-se perto porque são pessoas como nós. Será que as pessoas se esquecem que as vítimas têm vida, e família, e necessidades e direitos fundamentais, como nós? Têm tanto direito à justiça quanto qualquer privilegiado aqui sentado a assinar petições ou a fingir que não as vê.

Não entendo por que os assassinos brancos são as únicas vítimas de bullying e todos têm doenças mentais, quando todos os outros são terroristas. O privilégio branco protege até os assassinos em massa, como o da escola na Flórida ou os violadores como o Brock Turner. Se possuíssem uma tez mais escura ou uma religião diferente já eram vistos com outros olhos e sofreriam consequências piores.

Não entendo como ainda há quem invente desculpas para que se cometam crimes graves. O bullying e as doenças psiquiátricas não fazem de uma pessoa um potencial criminoso e os media, ao associarem este tipo de situações às razões para as atitudes dos criminosos, só contribuem para que o estigma aumente e pessoas sejam ostracizadas por serem esquizofrénicas ou bipolares. Não entendo por que crianças que dão pontapés a soldados são presas quando o fizeram por pura revolta contra quem estava a fazer mal à sua família. Ahed Tamimi tem 16 anos, viu a sua família atacada e tentou defender-se. Foi presa, está a ser julgada, mas é uma criança ainda. É guerreira, com mais força do que muitos adultos, mas uma criança ainda. Há, claro, uma petição para a libertar, mas será que quem condena 99% dos palestinianos vai ouvir o mundo?

Não entendo por que estamos sentados a assinar, quando os miúdos de 15 anos sobreviventes ao ataque à escola vão para a rua protestar, e também não entendo por que estamos espantados com a revolta deles. São guerreiros da adolescência, criados com páginas e ecrãs cobertos de miúdos que, como eles, tiveram que lutar por si porque ninguém lutava por eles. São Katniss, são Quatro, Beatrice, Thomas. São jogadores da fome, divergentes, maze runners, são os 100 e todos os exemplos de força jovem a que foram expostos. São Malala. São o fruto da revolta e as gerações mais velhas só têm que os apoiar na luta pela mudança, já que estas não lutam por si.

Lanço a minha petição, que não carece de assinatura, para que sejamos mais humanos. Decerto não chegará aos monstros, decerto não chegará a todos, mas em tudo o que possamos, deveríamos apoiar o bem. Praticar a compaixão e o amor. Vermos pelo ponto de vista do próximo e sair das nossas bolhas para o ajudar. Peço atitudes, podem não mudar o mundo todo, mas podem mudar o mundo de alguém, pessoa ou animal. Sejamos humanos no bom sentido da palavra e não humanos como a podridão inegável presente na nossa essência, vista em qualquer ataque, bombardeamento, tiroteio. Acreditemos que existe bondade e espalhemo-la a cada passo que damos. Assinemos, falemos, gritemos, protestemos. Peço que ajamos, peço que sejamos mais humanos.

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