Obrador leva o México para a esquerda, contrariando a guinada à direita da América Latina

À terceira é de vez? Eterno candidato às presidenciais mexicanas leva uma vantagem de 13,6% sobre o segundo classificado.

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Obrador foi derrotado nas presidenciais de 2006 e 2012. CARLOS JASSO / Reuters

Depois de duas candidaturas falhadas à presidência do México, em 2006 e 2012, Andrés Manuel López Obrador está hoje mais próximo do que alguma vez esteve de uma inédita conquista. De acordo com a mais recente sondagem da Ipsos, divulgada pela Reuters, o candidato do MORENA (Movimento Regeneração Nacional, esquerda) e antigo chefe do governo da Cidade do México, ocupa o primeiro posto das intenções de voto, com 36,3%, e leva uma vantagem de 13,6% sobre Ricardo Anaya, o segundo nome da lista.

Ainda faltam cinco meses para as eleições presidenciais mexicanas – estão agendadas para o dia 1 de Julho –, pelo que todos os dados relativos à corrida à sucessão de Enrique Peña Nieto devem ser  interpretados com cautela. O que não impede, no entanto, que se atribua aos resultados desta sondagem uma boa dose de surpresa.

Num país presidido pelo centro-direita desde o final dos anos de 1920 e num continente que nos últimos anos assistiu à conquista da grande maioria dos seus Governos por partidos e políticos conservadores e liberais – Estados Unidos, Argentina, Brasil, Chile ou Colômbia são alguns desses exemplos – a candidatura que figura na pole position mexicana há várias semanas vem da esquerda. 

Explicações há muitas, mas desta realidade não se pode desassociar o mandato do Presidente que agora se afasta. Como o comprovam os 15,1% que o estudo da Ipsos atribui ao seu candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI, de direita) de Peña Nieto. José Antonio Meade é o terceiro nas intenções de voto, suplantado por Obrador e por Anaya, do Partido da Acção Nacional (PAN, direita), com 22,7%. A antiga primeira-dama Margarita Zavala (independente) recebe 2,8% dos votos, segundo o inquérito, que alerta para uma percentagem elevada de indecisos: 32%. Levado a cabo entre o dia 24 de Fevereiro e o dia 3 de Março, assente nos testemunhos de 1500 pessoas e com uma margem de erro calculada em 2,53%.

O PRI – que apesar das várias alterações da sua denominação controlou a presidência do México durante praticamente 70 dos últimos 90 anos – foi duramente atingido pela impopularidade nos últimos anos, devido ao envolvimento de vários dos seus membros em escândalos de corrupção e de associação a organizações criminosas. Ligações que muitos acreditavam estar ultrapassadas com a viragem do século. 

A isto acresceu um tímido crescimento económico, um aumento descontrolado da violência nas cidades – em grande parte decorrente dos confrontos entre gangues e cartéis de droga – e uma avaliação popular francamente negativa à forma como Peña Nieto geriu o ‘dossiê Trump’.

Desde a condenação pouco vigorosa às reprimendas que o Presidente norte-americano dirigiu aos imigrantes mexicanos, passando pela postura tremida em relação à edificação – e financiamento – do muro que a Administração americana quer erguer na fronteira entre EUA e México, e terminando na falta de soluções comerciais para lidar com a renegociação do NAFTA, certo é que entre o eleitorado mexicano foi ganhando cada vez mais força a tese de que o partido que parecia eterno começa a inspirar (muito) pouca confiança.

“O México é hoje uma democracia mas há um descontentamento profundo com os seus resultados", reflecte Enrique Krauze num artigo de opinião publicado no New York Times. “A maioria dos mexicanos está ressentida, e com razão, com o escasso crescimento económico das últimas décadas e com a persistência de pobreza e desigualdade. E existem quatro terríveis problemas a agravar esta situação: violência, insegurança, impunidade e corrupção”, aponta o historiador mexicano, para depois concluir que as responsabilidades do PRI neste cenário fazem com que “merecem perder a eleição”.

Candidato contracorrente

É precisamente deste descontentamento popular, aparentemente generalizado, que se alimenta Obrador. O político de 64 anos chega a estas presidenciais como o candidato da anti-corrupção e antissistema, que propõe uma “mudança de regime”, assente numa inovadora “Constituição moral”. Acredita ser “o único que pode consertar a corrupção”, promete “fazer Trump ganhar juízo”, e sugere a oferta de uma amnistia aos produtores e traficantes de droga, em troca de paz.

Descrito pelo Financial Times como um “rebelde de esquerda (…) nacionalista que quer erradicar a corrupção, mas que acredita que Fidel Castro foi um herói”, Obrador está a demonstrar que tem algo mais a oferecer ao eleitorado mexicano do que o típico candidato de uma esquerda latino-americana recorrentemente entendida como demasiado romântica e idealista. 

Prova disso é que, apesar das duas derrotas eleitorais do passado – às quais reagiu com acusações de fraude –, Obrador contribuiu de forma activa para a transformação da Cidade do México num poderoso centro financeiro e num poiso proveitoso para empresas do país e da região, durante os cinco anos que liderou o seu governo.

Para já a liderança contempla apenas as sondagens, mas os sinais que dela advêm estão a fazer os seus eleitores acreditarem que o sonho de uma presidência de esquerda no México, em contracorrente com a História do país nas últimas décadas e com a realidade política dos seus vizinhos nos últimos anos, pode afinal vir a ser bem real. A campanha eleitoral arranca já no final do mês. À terceira será de vez, Obrador?

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