Paços de Ferreira liquida empresa municipal com dívida de 26 milhões à CGD

Processo remonta a 2014 e tem andado a ser discutido nos tribunais. Os bancos credores não conseguiram fazer valer os argumentos de que uma empresa detida integralmente pelo Estado não pode falir. Administradores vão enfrentar processo de insolvência culposa.

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Câmara Municipal de Paços de Ferreira passou a ser liderada por Humberto Brito, que tomou a decisão de liquidar a PFR Invest NELSON GARRIDO

Chegou a ser encarada como uma solução original a que os municípios podiam recorrer para não terem de enfrentar as dificuldades financeiras que tomaram conta de muitas empresas municipais. A decisão de liquidação então anunciada pelo recém-eleito líder da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, o socialista Humberto Brito, de que não pretendia assumir as dívidas que já estavam a ser reclamadas pelos credores da empresa municipal PFR Invest — com dívidas de 47 milhões de euros — poderia ser replicada por outros autarcas que enfrentavam novas regras no sector empresarial do Estado.

Mas o exemplo não foi seguido e foram precisos quase quatro anos para se concluir que Humberto Brito podia levar a dele avante: “A minha única preocupação era não deixar que fossem os munícipes de Paços de Ferreira a pagar a factura de negócios ruinosos e mal explicados”, afirmou o autarca, em declarações ao PÚBLICO. Hoje, o total de créditos reconhecidos ascende a 52,7 milhões de euros — a que corresponde, essencialmente a financiamento bancário — e os antigos administradores da empresa vão enfrentar um processo de insolvência culposa que lhes vai ser instaurado pelo Ministério Público.

Em causa está uma empresa municipal criada em 2007 para desenvolver programas de investimento, que passavam pela aquisição de terrenos com a finalidade de construir e implementar parques industriais e empresariais. Era no fundo uma empresa de gestão urbanística que comprava terrenos no município para os preparar para acomodar infra-estruturas, lotear e recolocar no mercado. E que teve como principais parceiros bancos como a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o Novo Banco - os mesmos que no processo de insolvência reclamaram cerca de 85% dos créditos. À data da insolvência, em Fevereiro de 2015, a PFR Invest devia à Caixa 25,9 milhões de euros (20,8 milhões de euros em capital e mais cinco milhões de euros em juros, despesas e comissões) e ao Novo Banco 18,8 milhões de euros (15 milhões de euros em capital e 3,7 milhões em juros e despesas).

O processo andou a ser discutido em Tribunal, com os bancos a tentarem provar que uma empresa municipal, enquanto entidade do Estado, não poderia abrir falência. Os argumentos não tiveram acolhimento em nenhuma das instâncias a que os bancos, autonomamente ou em conjunto, recorreram — nem nos tribunais administrativos, nem na Relação, que também foram chamados a pronunciarem-se.

Se a conclusão do processo tem vindo a ser protelada é também porque aos bancos custou assumir a perda de todos estes créditos, tendo tentado enveredar pela continuação da actividade da empresa. Pelo menos, foi isso que pediram em Outubro à administradora de insolvência: que voltasse a propor um plano de recuperação, uma vez que ele seria sempre melhor de que enviar a empresa para a liquidação de activos.

De acordo com o processo que o PÚBLICO consultou, a administradora de insolvência, Emília Manuela, chegou a fazer essa proposta. Mas a estratégia e recuperação institucional pressupunha que os credores colocassem à disposição da empresa mais fundos e deixava claro que tinham de esperar 15 anos pelo pagamento de 75% das dívidas. Por outro lado, era preciso, nesse período de tempo, conseguir vender os activos que, estimando o preço de venda ao preço médio de custo, permitiriam realizar 15,4 milhões de euros até ao final de 2032. Os bancos acabaram por avisar a administradora de insolvência que tinham “mudado” de ideias e que pretendiam agora votar no sentido da liquidação dos activos.

Insolvência culposa

Outro dado importante a reter de todo estes processos, que é percursor no universo do sector empresarial do Estado, é o entendimento, por parte da administradora de insolvência, num parecer que foi secundado pelo Ministério Público, que a qualificação desta insolvência deve ser “culposa”, juntando aos autos alguns dados para sustentar o entendimento de que os administradores da PFR Invest não zelaram pela boa gestão de dinheiros públicos, tendo inclusive falseado contas de forma a mascarar a verdadeira situação económica e financeira da empresa.

Aliás, a notícia da suspeita de falsificação de documentos e o anúncio da abertura de um inquérito por parte da Procuradoria-Geral da República chegou a ser avançada há dois anos. Ontem, contactado pelo PÚBLICO, o último administrador da PFR Invest, Rui Coutinho, afirmou não ter sido nunca chamado a explicar, por nenhuma entidade, os actos de gestão que tomou à frente da empresa municipal de onde saiu em Dezembro de 2013. E disse também não ter conhecimento do processo de insolvência dolosa que lhe vai ser imputado.

A sustentar a qualificação e insolvência culposa por parte da administradora Emília Manuela há várias situações concretas, entre elas a falsificação das contas que já foram “dadas como provadas no tribunal judicial da Comarca de Lisboa”. A PFR Invest entrou em incumprimento quanto a juros em Setembro de 2010 e quanto a capital desde Junho de 2011. Mas as contas de 2012 foram apresentadas e aprovadas como positivas, pelo que a administração “tinha de saber que estas não retratavam a verdadeira situação económica e financeira da PFR”. Já as contas de 2013 apresentaram um saldo negativo de 2,9 milhões de euros e não foram aprovadas pelo Revisor Oficial de Contas.

Outros dois negócios apontados como “ruinosos” pela administradora de insolvência incluem “o caso Irmafer”, que mostra que a PFR reduziu em um milhão de euros o preço de um terreno que tinha vendido a uma empresa. E o caso do chamado “Polo 5”, que permitiu consignar a uma empresa uma empreitada de construção da Cidade Empresarial de Paços de Ferreira (um projecto que chegou a receber fundos comunitários que tiveram depois de ser devolvidos), sem que o município tivesse na posse dos terrenos. Há neste momento 16 proprietários de cerca de 40 mil metros quadrados que acusam PFR de ocupação indevida. 

"Há sempre danos colaterais nestes processos e haverá pequenos proprietários que vão sair prejudicados. Mas este caso não podia ser resolvido de outra maneira, que não nos tribunais. Não me vou esquecer nunca das pressões que enfrentei para pagar estes 45 milhões de euros de negócios que não se percebem, quando, naquela alttura, eu não tinha sequer dinheiro em caixa para pagar a luz - e tinha uma carta com um aviso de corte em cima da mesa", comenta o autarca socialista, Humberto Brito, que foi reeleito nas últimas eleições.

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