A metáfora glass ceiling tem 40 anos. Com quantos mais contará a sua relevância científica, social e política?

Em apenas um ano, foram observados retrocessos em mais de metade dos países na igualdade entre mulheres e homens.

Em redor do 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres, são normalmente atualizados e divulgados dados estatísticos, relatórios e estudos de alcance mais compreensivo. Os índices que procuram apreender as desigualdades entre mulheres e homens, ainda que simplifiquem uma realidade intrinsecamente multifacetada e complexa, não deixam de trazer à discussão factos inquietantes. No relatório que divulgou o índice The Global Gender Gap 2016, o Fórum Económico Mundial estimava que, ao ritmo das mudanças entretanto ocorridas nos 144 países observados, a superação das assimetrias entre mulheres e homens ainda demoraria 83 anos. No domínio da participação laboral e das oportunidades económicas, a igualdade estaria a uma distância de 170 anos.

Perante tal perplexidade, alguém imaginaria um cenário mais desanimador? O relatório relativo ao ano de 2017, divulgado há poucos meses, bem pode ferir o alheamento de muitos/as. O documento dá conta de retrocessos em mais de metade dos países, não raras vezes nas quatro dimensões analisadas: Participação e Oportunidades Económicas; Educação; Saúde e Sobrevivência; e Empoderamento Político. Afinal, a manter-se a mesma linha de evolução, tímida e vacilante, o cenário de igualdade entre mulheres e homens projeta-se ainda mais distante: serão necessários 100 anos (um século!) e ainda mais de dois séculos (217 anos) para que a paridade se concretize no plano económico. Neste domínio, em Portugal, os indicadores referentes às disparidades remuneratórias entre homens e mulheres são os que mais penalizam o desempenho do país, seguindo-se aqueles que dão conta das assimetrias na progressão profissional.

Há contextos socioeconómicos onde se esperaria que as projeções fossem mais animadoras. O Gender Equality Index, disponibilizado pelo European Institute for Gender Equality (EIGE), procura agregar vários indicadores e medir a igualdade entre mulheres e homens na UE28. No último relatório, a alusão a “passo de caracol” procura ilustrar o lentíssimo progresso verificado no espaço da União Europeia, ao longo dos últimos dez anos, em seis dimensões: Recursos Monetários; Conhecimento; Trabalho; Tempo; Poder; e Saúde. Tanto na Europa em geral como em Portugal, o desempenho mais sombrio regista-se na dimensão “Poder”, em particular no domínio económico.

Há quase 40 anos, no dia 24 de maio de 1978, a metáfora “glass ceiling” (teto de vidro) foi utilizada pela primeira vez por Marilyn Loden. Esta consultora da área da Gestão procurava, assim, dar conta das barreiras invisíveis que, no contexto das empresas/organizações, impedem as mulheres de aceder aos lugares de topo. Num evento promovido pela Women’s Action Alliance (WAA), decorrido em Manhattan, várias intervenientes da academia e do universo empresarial debatiam as causas da sub-representação de mulheres nos lugares cimeiros da vida económica. Na mesa redonda dedicada ao tema Mirror, Mirror on the Wall, Loden deu conta de que o diagnóstico estava parcialmente desfocado. O consenso parecia então gerar-se em torno da identificação de um handicap comum às mulheres, gerado essencialmente pelos efeitos da socialização e com reflexos nas menores oportunidades de carreira. Referiam-se em uníssono a limitações em termos de ambição, aspirações profissionais, autoestima e autoconfiança. Em sintonia com os argumentos do pensamento académico neoclássico, considerava-se que, em resultado da especialização de papéis inerente às funções de produção (atribuídas aos homens) e reprodução (asseguradas pelas mulheres), a escassez de profissionais do sexo feminino nas posições cimeiras se devia à ausência de qualificações e de níveis de experiência compatíveis com as necessidades do mundo empresarial. Recentemente, em entrevista à BBC (13/12/2017), Loden recordou a necessidade de, naquele evento, desviar a tónica das “barreiras individuais”, num quadro de crescente investimento das mulheres em capital humano, para os constrangimentos culturais profundamente impregnados nas empresas. Ao longo da sua trajetória profissional e do conhecimento reunido em torno das dinâmicas e dos processos organizacionais, os condicionalismos culturais invisíveis — logo, não questionados — afiguravam-se como aqueles que mais contavam na explicação do fenómeno em debate.

Não é este o espaço para o aprofundamento da problematização teórica e dos desenvolvimentos conceptuais, metodológicos e empíricos que, no decurso destas quatro décadas, têm movido o debate científico em torno das causas das assimetrias entre mulheres e homens nos lugares de liderança e decisão na economia, na política, na ciência, na academia e nos demais domínios da vida social. Os números aqui trazidos sugerem a necessidade de mais e melhor ação no cumprimento dos objetivos estratégicos definidos a nível internacional e nacional. Ao necessário impulso reformador das políticas públicas e do quadro normativo importa associar mais determinação e voluntarismo de todos os agentes sociais relevantes. A metáfora “glass ceiling” conta com 40 anos. Eis a pergunta que se impõe: com quantos mais contará a sua relevância científica, social e política?

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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