Ameaças de contra-ataque fazem temer escalada de guerra comercial

Comissão Europeia já tem lista de produtos dos EUA sobre os quais pode vir a aplicar taxas. Um dos objectivos é criar constrangimentos políticos a Donald Trump.

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Principal oposição a Trump nas taxas pode vir do Partido Republicano. E Bruxelas já está a jogar com esse cenário REUTERS

Dizem que a história não se repete, mas as semelhanças entre a política comercial prometida por Donald Trump e aquela que foi seguida no século passado pelos Estados Unidos durante a Grande Depressão estão cada vez mais a assustar quem teme os efeitos de uma escalada preoteccionista por todo o planeta.

Desde que, na passada quinta-feira, o presidente dos Estados Unidos anunciou um aumento de taxas alfandegárias para todas as importações de aço e alumínio feitas pelos EUA, multiplicaram-se os sinais de que os outros países estão dispostos a responder a essas medidas, retaliando com os seus próprios aumentos de taxas, desencadeando uma sequência de ataques e respostas que pode repetir aquilo que aconteceu no início dos anos 1930 e que, de acordo com vários economistas, contribuiu de forma significativa para prolongar a crise que se viveu durante essa época.

A sequência de declarações e notícias dos últimos dias segue à risca aquilo que seria de esperar num cenário de escalada da guerra comercial. Depois do anúncio de Trump na quinta-feira, ouviram-se na sexta-feira responsáveis políticos da UE (o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker), do Canadá, do México e da China a criticarem a acção e a deixarem em aberto a possibilidade de retaliar com as suas próprias medidas contra os produtos dos EUA.

No sábado, Donald Trump respondeu a essa ameaça de contra-ataque com novas ameaças, através da sua conta do Twitter: “se a UE quer aumentar as suas já enormes taxas e barreiras às empresas dos EUA que fazem negócios lá, nós simplesmente iremos aplicar uma taxa nos seus automóveis, que entram livremente nos EUA”.

Na segunda-feira, o presidente norte-americano voltou à carga, desta vez deixando claro ao Canadá e ao México que as taxas aplicadas nos metais são um trunfo que pretende usar na renegociação do tratado comercial em vigor entre os três países.

Também na segunda-feira, assustados com as declarações, vários gestores das maiores fabricantes de automóveis mundiais (que vendem e produzem carros nos diversos países em conflito), apelaram à calma dos responsáveis políticos, pedindo que estes se sentem à mesa das negociações.

No entanto, esta terça-feira, o ambiente voltou a ficar mais tenso, depois de se ficar a saber, através de uma notícia inicialmente lançada pela Bloomberg, que a Comissão Europeia tem já uma lista detalhada dos produtos importados dos EUA que poderão vir a ser alvo de um agravamento de tarifas alfandegárias, caso se confirme a intenção norte-americana de penalizar as suas importações de aço e alumínio.

De acordo com a agência noticiosa, os planos de retaliação do executivo liderado por Jean-Claude Juncker foram apresentados a membros dos diversos governos da UE e passam por aplicar uma taxa de 25% (a mesma que os EUA querem aplicar no aço) a uma série de produtos que vão, para além dos metais, das roupas até aos alimentos, passando por cosméticos e motas.

No total estarão em causa importações que valem no decorrer de um ano cerca de 2800 milhões de euros (ou 3500 milhões de dólares), sendo que a aposta da Comissão passa por tentar atingir os EUA em alguns produtos simbólicos que podem criar constrangimentos de ordem política a Donald Trump.

De acordo com a lista que foi mostrada aos representantes dos governos, nas roupas destacam-se as t-shirts, o calçado e as calças de jeans. Entre os produtos alimentares e as bebidas estão o milho, o sumo de laranja e o bourbon. Nas máquinas, os alvos são motos e barcos.

Dois alvos específicos podem ter implicações políticas importantes: o bourbon é principalmente produzido no Estado do Kentucky, que é aquele de onde é proveniente o líder republicano do Senado, Mitch McConnell; as motos Harley Davidson têm fábricas importantes no Wisconsin, o Estado de onde vem Paul Ryan, o líder republicano da Casa dos Representantes. Para Donald Trump, o principal obstáculo à concretização de uma política proteccionista está no Partido Republicano que, tradicionalmente, tem sido o principal apoiante do comércio livre. E na Comissão Europeia isso parece ter sido compreendido.

Neste ambiente em que se começa a antever um cenário de guerra comercial declarada, é impossível não recordar aquilo que aconteceu da última vez que se assistiu a um retrocesso acentuado nas relações comerciais entre as grandes potências mundiais. Nessa altura, foi do Congresso que surgiu a iniciativa de aumentar as taxas alfandegárias a uma série de produtos comprados pelos Estados Unidos ao estrangeiro. Foi através do acto Smoot-Hawley, aprovado em Maio de 1929 no Congresso e passado à prática em Junho de 1930, já depois da queda da Bolsa de Nova Iorque.

Nessa altura, o número de produtos visados foi muito maior do que aqueles até agora anunciados por Trump, mas a reacção dos governos dos principais parceiros comerciais dos EUA foi semelhante, com diversos países europeus e o Canadá entre os primeiros a apertarem as suas fronteiras à entrada de produtos vindos dos Estados Unidos, a que se seguiram mais medidas proteccionistas de parte a parte. Entre 1929 e 1934, no meio de uma recessão de grandes proporções dos dois lados do Oceano Atlântico, o volume do comércio internacional caiu mais de 60%.

Os economistas ainda hoje discutem que papel terão tido as políticas proteccionistas na Grande Depressão. Parece quase consensual que tiveram algum efeito negativo, mas as opiniões divergem muito em relação à sua dimensão.

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