A guitarra slide de Debashish nunca conta duas vezes a mesma história

Um dos nomes mais importantes da música indiana actual, verdadeira estrela do circuito da world music, Debashish Bhattacharya toca esta sexta-feira em Braga e no dia 14 em Lisboa.

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Debashish Bhattacharya começou a tocar guitarra slide aos quatro anos DR

Nascido em Samoa em 1908 e criado no Havai, Tau Moe era já uma lenda da guitarra slide quando escolheu instalar-se em Calcutá, na Índia, durante o período da Segunda Guerra Mundial. Por ali permaneceu entre 1939 e 1947, e depois mais alguns anos de forma intermitente, aproveitando para tocar para um público singular: a alta sociedade da nação – Mahatama Gandhi e Rabindranath Tagore (primeiro Prémio Nobel da Literatura não-europeu) incluídos –, mas também para soldados britânicos e americanos estacionados na cidade ou jovens bengali formados de acordo com os padrões da cultura anglófona.

“A sua presença em Calcutá fez uma enorme diferença e as canções havaianas começaram a tocar nas rádios, a surgir nos filmes, a escutar-se nos clubes”, conta ao PÚBLICO o músico indiano Debashish Bhattacharya. O fenómeno foi tão expressivo que durante a infância de Debashish (nascido em 1963), a prática da guitarra slide havaiana já se tinha disseminado pela cidade, a ponto de na sua própria casa haver um exemplar que, aos quatro anos, começou a tocar. “Foi uma época grandiosa para a lapsteel havaiana em Calcutá e em Bengala”, diz com notória saudade.

Anos mais tarde, Bhattacharya foi estudar com um dos grandes mestres indianos do instrumento, Brij Bhushan Kabra, discípulo de um dos amigos de Tau Moe e um dos pioneiros na interpretação de música indiana contemporânea na guitarra slide. Depois, como o próprio músico diz, ambos cresceram, ele e a guitarra que tocava, e foi experimentando uma série de alterações ao modelo original, adaptando-a para as suas específicas necessidades sonoras. “Foi assim que a guitarra havaiana se tornou nas guitarras slide indianas chaturangui (guitarra slide de 24 cordas), gandharvi (guitarra slide de 14 cordas) e anandi (ukulele de quatro cordas).”

“São todas criações minhas”, diz acerca de um processo criativo iniciado no final da década de 1970. “Mas o que realmente importa é se cada um deles serve a razão pela qual os inventei – as pessoas sentirem-se felizes e inspiradas quando os toco.” É precisamente na companhia destas muito particulares extensões da sua personalidade musical que Debashish Bhattacharya se apresentará em Portugal, primeiro no Theatro Circo, Braga, esta sexta-feira, e depois no B.Leza, Lisboa, a 14 de Março, com um reportório que viajará desde o século XII à actualidade, desde a música clássica indiana aos cruzamentos que promove com sonoridades vindas do jazz e de outras geografias. “As minhas composições”, diz, “são muitas vezes uma mistura de raggas indianos com música global”.

Essas composições são inspiradas por cinco factores que recita de pronto: “Aquilo que oiço de único e puro na música, aquilo que leio na poesia, aquilo que provo e como, os perfumes que cheiro, e os afectos das pessoas que amo e que me amam.” Em 30 anos de gravações em estúdio e de palcos um pouco por todo o mundo, é sempre isto que está por detrás das melodias e dos ritmos que Bhattacharya inventou, e que o tornaram uma estrela no espectro da world music.

Em cada gravação de estúdio ou em cada concerto, Debashish Bhattacharya concebe as suas interpretações como uma tarefa equivalente a contar uma história. “Essa história tem começo quando faço vibrar as cordas da guitarra pela primeira vez e a melodia soa”, conta. “Seguem-se a segunda e a terceira melodias, a história vai-se desenvolvendo e as frases vão-se juntando. Não sei como acontece ou porque acontece assim; sei apenas que acontece.” E cada concerto é, necessariamente, uma história diferente. Se assim não fosse, garante, “então viver esta vida não teria qualquer sabor”. A comparação que faz é simples. “Em Portugal gostam muito de futebol, não é? Pois se já soubéssemos como a nossa equipa iria jogar em determinada partida, será que íamos ao estádio? Quantas vezes voltaríamos para ver os mesmos movimentos se já soubéssemos de cor tudo o que ia acontecer?”

Com a música não é diferente. Saber antecipadamente cada nota mataria à partida qualquer concerto, acredita. Por isso, Debashish Bhattacharya diz que quer apenas sentar-se, agarrar na guitarra, fechar os olhos e deixar que a sua música invada os corpos de todos quantos o vierem ouvir. Tão simples quanto isto. Sem ecrãs ou auscultadores de permeio. Apenas a guitarra dele a chegar até aos nossos ouvidos.

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