Vero vs Facebook

Agora que a rede Vero chegou aos primeiros milhões de utilizadores, alguns já concluem que é uma ameaça real para o Facebook. Será esta lógica credível?

Depois de muitos tentarem, alguém ousou finalmente desafiar a absoluta dominância do Facebook e Instagram no panorama das redes sociais. Não será coincidência este movimento de rápida explosão da nova rede Vero surgir precisamente no momento em que o Facebook decidiu penalizar ainda mais as páginas de empresas, mesmo aquelas que produzem conteúdos relevantes para as pessoas, mas que não pagam para promover a sua mensagem.

Quando escrevi o livro "The end of facebook as we know it” poucos acreditavam no cenário de crescimento gigante das redes, na migração para o Instagram e no efeito colateral de redes específicas como o Snapchat ou o Discord. Entretanto, tudo mudou e existe uma ameaça ao crescimento de tráfego do Facebook nos países mais evoluídos, depois do crescimento do número de pessoas com acesso à Internet e da explosão de smartphones, que fez aumentar a frequência individual naquela rede nos últimos anos.

Agora que a rede Vero — originária do Médio Oriente — chegou aos primeiros milhões de utilizadores, alguns já concluem que é uma ameaça real para o Facebook. Será esta lógica credível? E se é, o que fazer com todos os investimentos que os negócios colocaram no Facebook? Antes de dar resposta a esta pertinente questão, interessa descrever o que tem de diferente esta rede nova. O Vero é uma mistura entre Facebook, Instagram, Twitter e algumas outras, incorporando funções que a maioria das pessoas já conhece dessas redes. Ao mesmo tempo, permite a partilha de músicas, livros, filmes e programas de TV, procurando entrar dentro do âmbito de entretenimento de forma mais activa. Um dos outros elementos de diferenciação é o da categorização dos amigos em três níveis diferentes, procurando dar mais espaço aos amigos verdadeiros, e não da quantidade enorme de pessoas que se encontrem entre amigos e conhecidos e acabam por dominar os feed de muitos de nós.

Por outro lado, e seguindo os passos ousados do WeChat — que o Whatsapp ainda não conseguiu igualar — o Vero afirma-se como plataforma de comércio electrónico e de pagamentos, antecipando uma potencial migração de rede social para comércio social.

Não menos importante é a primeira rede a prometer ausência de bots, um dos aspectos controversos do crescimento de machine learning. Não esqueçamos contudo que esta tendência de humanização — ou handmade — ainda é de nicho.

Mas a diferença que fez explodir o número de downloads do Vero foi a promessa de ser totalmente livre de publicidade, um dos aspectos que mais incomoda muitos utilizadores, que se sentem outra vez numa época de mass marketing, inundados de anúncios e perseguidos pelo remarketing que algumas marcas fazem de forma selvagem. Como modelo de negócio, a rede social nova descreve no seu manifesto as ideias de que serão os utilizadores a pagar a frequência – mas permitindo o primeiro milhão com acesso gratuito para sempre. Entretanto já os ultrapassou e decidiu manter a oferta até notícias em contrário.

Por outro lado, a rede social Vero promete fees anuais “muito baixos” para os utilizadores e voltou ao esquema de ordem cronológica, típico dos blogues e original do Facebook e Instagram. No prática, é um modelo que deixa de lado a complexidade dos algoritmos, que no caso do Instagram tem aborrecidos alguns utilizadores, incapazes de perceber o seu próprio feed e a ordenação e escolha das stories que aquela rede lhe propõe ver.

O que parece de facto improvável é que a Vero seja uma alternativa credível para substituir alguma das redes existentes. Primeiro, porque não tem estrutura suficiente, nem capacidade de escalar a procura se o crescimento desta continuar. Em vez de usar a nova tecnologia dApps, mais escalável e construída em Blockchain, a Vero aposta num servidor da velha escola, mas não tem a dimensão da Google, do Facebook, ou do Twitter. Não tem, nem parece vir a ter. Depois, porque a experiência de utilização não é brilhante, como era a do Instagram quando apareceu. Por outro lado, o modelo de feed cronológico não é sustentável quando as pessoas colocam mais informação do que as suas redes forem capazes de consumir. E para chegar a esse estágio é só uma questão de tempo. Por fim, as pessoas e as marcas já investiram muito nas redes mais centrais e conhecidas e é difícil abandonarem em massa esse activo. Naturalmente que existe uma tendência de aborrecimento e até de abandono de algumas contas do Facebook por utilizadores mais maduros ou mais novos, mas a massa central continua a ser dominante, além de que para esse movimento fosse realidade seriam necessárias capacidades de migração massiva que são hoje impossíveis tecnicamente de se tornar realidade.

Para destituir o Facebook não basta ser anti Facebook. Para ser dominante não basta ser uma mistura do que existe. Para viver entre estes gigantes é preciso mais do que um manifesto alinhado com aquilo que muitos de nós já pensam: é necessário ter dimensão, ter um modelo sustentável e criar uma experiência memorável. E se, para ter dimensão “basta” ser comprado, para os outros não parece tarefa fácil. O mais provável é que a Vero venha a ajudar o ecossistema das redes existentes a compreender o que as pessoas realmente querem e permita novos modelos, mais próximos dos valores, das tendências e dos desejos dos consumidores.

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