Mais um domingo de europessimismo

Depois da esperança do voluntarismo macronista que apontava para uma refundação do projecto europeu, é quase inevitável sermos hoje confrontados com um diagnóstico sem apelo: a Europa está doente, minada pelo desencanto e, quem sabe?, eventualmente moribunda.

Mais um dia, mais um domingo – já lhes perdi a conta – em que regresso ao tema do europessimismo por causa de eleições europeias. Com excepção da vitória de Macron em França, apesar das contradições e desilusões suscitadas entretanto pelo seu percurso, quase todos os sinais acabaram por convergir num sentido ao longo do último ano (pelo menos). Depois da esperança do voluntarismo macronista que apontava para uma refundação do projecto europeu, é quase inevitável sermos hoje confrontados com um diagnóstico sem apelo: a Europa está doente, minada pelo desencanto e, quem sabe?, eventualmente moribunda.

As legislativas italianas deste domingo não oferecem nenhum cenário que permita encarar o futuro de forma optimista e construtiva. A confusão política generalizada, a ascensão das forças xenófobas e eurocépticas, sem precedentes nas últimas décadas, a desorientação e o cansaço instalados entre as correntes progressistas e pró-europeias, tudo isso aponta para um cenário caótico e, porventura, ingovernável. Aquele que foi um dos países fundadores do projecto europeu e, apesar da sua quase genética instabilidade governativa, um dos mais optimistas e voluntariosos porta-vozes da esperança europeia, não resistiu à pulverização política que se seguiu ao desabar dos antigos equilíbrios partidários entre o centro-esquerda e o centro-direita.

O menos mau que se pode esperar dos resultados de hoje é, tão-só, que o populismo – e os populistas vestem as camisolas mais diversas, concorrendo entre si com discursos folclóricos e vazios de programa – não alcance o primeiro lugar no pódio. Mas que se seguirá? O contrabando eleitoral chegou a tal ponto que até a xenofobia e o anti-europeísmo mais ostensivos já envergam vestes de respeitabilidade governamental e fazem de conta que a saída da União Europeia e do euro deixaram de ser o santo e a senha da sua ideologia extremista original (como se pode ver com a Liga do Norte e parceiros neo-fascistas do fantasmático Berlusconi).

Mas além das eleições italianas há também hoje o referendo em que os sociais-democratas alemães irão decidir se participam ou não num novo Governo com os conservadores de Merkel. Ora, mesmo que o resultado seja o menos mau possível – isto é, a favor do mal menor da coligação – isso não apaga o drama existencial em que se debatem os sociais democratas face à perspectiva de serem ultrapassados pela extrema-direita da AfD, quer fiquem dentro quer fora do próximo Governo. Um membro do SPD ouvido pelo Le Monde confessava assim o seu embaraço: "Dizem-nos para votar sim para evitar eleições antecipadas com uma AfD à frente do SPD. Mas a grande coligação é também o que faz o húmus da AfD. Uma democracia precisa de uma alternativa clara. Ora quando os dois grandes partidos governam em conjunto, a alternativa encontra-se nos extremos". Resumindo: "Temos a escolha entre a morte lenta e a morte imediata. Entre a peste e a cólera. Ora eu, entre as duas, não sei escolher".

O dilema do SPD alemão é bem ilustrativo da encruzilhada em que se encontra uma Europa cada vez mais assombrada pelo populismo que se alimenta dos fantasmas da insegurança suscitados pela vaga migratória e o medo do terrorismo. E essa situação é vivida ainda mais agudamente numa Itália mais directamente exposta aos fluxos migratórios. Por isso, não há respostas simples e fáceis, por mais europeístas que sejamos, para enfrentar o crescendo do europessimismo.

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