Coligação de direita e 5 Estrelas lideram mas ninguém se aproxima da maioria

“Vence Di Maio, Itália ingovernável” foi a manchete escolhida pelo diário La Stampa. Faltam ainda resultados mas já se antecipam semanas de negociações.

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Luigi Di Maio e o seu Movimento 5 Estrelas: partido individual mais votado REUTERS/CIRO DE LUCA

Já passava da meia-noite em Itália, uma hora depois de encerradas as urnas, e só estavam contados 1% dos votos para o Senado. Se as projecções se transformarem em lugares (com a nova lei eleitoral isso não é automático), o país vai acordar segunda-feira face a dois cenários: um bloqueio, já que ninguém tem maioria e pode haver novas eleições; ou a possibilidade de uma coligação improvável, que dificilmente pode excluir o Movimento 5 Estrelas, de longe o partido mais votado.

Nos primeiros comentários oficiais da noite, precisamente de um dirigente do M5S, o movimento liderado agora pelo jovem Luigi Di Maio celebrou “um resultado extraordinário”, antecipando que “cabe agora aos outros partidos” falarem com a formação anti-sistema, “o que acontecerá pela primeira vez”. No Twitter, o líder da Liga, Matteo Salvini, escrevia apenas “Obrigado”.

Segundo as sondagens à boca das urnas da RAI, confirmadas depois por outras projecções, a coligação de direita e extrema-direita lidera com 33,5 a 36,6% no Senado e 33 a 36% na Câmara dos Deputados; seguida do Movimento 5 Estrelas, com 31 a 32% no Senado, e 29,5% a 32,5% na Câmara. Em terceiro, como se esperava, aparece a coligação de centro-esquerda (no poder), liderada pelo Partido Democrático, de Matteo Renzi, obtinha 22,5 a 28% no Senado, e 24,5% a 27,5% na Câmara.

Se os resultados reais se aproximarem destes, nenhum bloco vai obter a maioria nas duas câmaras do Parlamento. O que significa, ao mesmo tempo, que tudo é possível, mesmo o cenário de uma coligação entre a Liga e o M5S, dois partidos populistas e antieuropeístas.

Contados os votos, os partidos não devem fidelidade às coligações pré-eleitorais e Salvini não gostou que Silvio Berlusconi (líder do Força Itália, impedido de ser eleito até 2019) apresentasse o seu candidato à chefia do governo, o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, antes da ida às urnas. O acordo nesta coligação, que inclui ainda a extrema-direita dos Irmãos de Itália e os mais moderados Nós com Itália, ditava que o partido mais votado escolhesse o primeiro-ministro. Ora, segundo as primeiras indicações, a Liga ultrapassou o FI no Senado e, com grande probabilidade, também na Câmara dos Deputados.

Os dados disponíveis apontavam entretanto para uma participação de 73%, acima do esperado mas ainda assim historicamente baixa para eleições nacionais.

“Vence Di Maio, Itália ingovernável” foi a manchete escolhida pelo diário La Stampa. “Centro-direita à frente, explode o M5S” é o título do jornal Il Messaggero. “M5S primeiro partido, Liga ultrapassa FI, PD afunda-se”, escolheu o habitualmente cuidado Il Sole 24 Ore, o diário económico mais lido do país. “A Itália do 5 Estrelas afunda o PD” é a primeira página do diário Corriere della Sera.

Absurdo, possível

Na televisão, analistas e dirigentes entretinham-se a defender o absurdo de um governo que inclua o M5S, sublinhando as suas “propostas impensáveis”, como o subsídio de desemprego de 780 euros por mês, valor que se tornaria também no da pensão mínima.

Como em política nada é impossível, também se discutiam as probabilidades de uma coligação entre o movimento formado em 2009 pelo comediante Beppe Grillo ora com a Liga ora com o PD. Sabe-se que o M5S e a Liga estiveram em contacto próximo ao longo de 2016, quando ambos defendiam um referendo sobre a permanência no euro (o M5S já abandonou a ideia). O partido anti-partidos, que nasceu para “expulsar a casta do poder” e se diz nem de esquerda nem de direita, preferia discutir com o PD do que com a Liga. Mas ninguém sabe que PD existirá depois desta derrota.

Seja como for, será muito difícil ao Presidente da República, Sergio Mattarella, ignorar o resultado do M5S e não chamar Di Maio para saber se pretende tentar formar governo. Em 2013, o então chefe de Estado, Giorgio Napolitano, fez isso mesmo, quando o 5 Estrelas já foi o mais votado, pedindo ao líder da coligação de centro-esquerda, Pierluigi Bersani, para tentar reunir apoios. Uma vez que o governo depende de um voto de confiança no Parlamento, Mattarella pode também começar por chamar os líderes da coligação de direita.

De alguma forma, os italianos parecem ter seguido o conselho de Beppe Grillo, que depois de votar, enquanto esperava pela mulher dentro do carro e com jornalistas a centímetros do vidro da sua janela, pôs a tocar em alto volume Walk on the wild side de Lou Reed.

Longas filas

A nova lei eleitoral não facilitou a votação. Houve boletins impressos com erros a atrasar a abertura das urnas em Palermo, votos suspensos em diferentes cidades. E, um pouco por todo o país, as confusões com a lei e o “cupão antifraude” provocaram longas filas. Numa escola de Roma visitada pelo PÚBLICO, alguns eleitores desistiram depois de hora e meia de pé. Para ajudar, na Lombardia e na Lácio também se elegeram os governos regionais, com três boletins em vez de dois.

Matteo Renzi, primeiro-ministro entre 2014 e 2016, pediu ajuda ao presidente da sua mesa. “Peço desculpa, como se vota?”, foram as palavras do líder do partido que escreveu e aprovou a nova lei eleitoral, conhecida por Rosatellum por causa nome de Ettore Rosato, o deputado que a redigiu.

O homem que liderou o Partido Democrático antes de Renzi, e que tentou, sem sucesso, formar governo em 2013, Bersani, enganou-se e colocou os seus boletins nas urnas, algo que, em sua defesa, outros tentarem fazer, gerando discussões com os membros das mesas.

Voto de protesto

O sistema antifraude deveria garantir que os boletins levados para as cabines de voto são os mesmos que entram nas urnas: na parte de baixo de cada um havia uma tira com um número único separada por um picotado. Quando os boletins eram entregues, o número era apontado à mão; quando o eleitor regressava, confirmado que os boletins eram os mesmos, era o presidente da mesa a arrancar estes “cupões” antes de introduzir, ele próprio, os boletins nas urnas.

Segundo o autor da lei, afinal, o que tinha sido pensado era usar umas etiquetas que seriam retiradas dos boletins antes de estes serem entregues – apontar números à mão demora tempo.

Talvez Renzi estivesse só a tentar ser pedagógico, aproveitando as câmaras. Seja como for, a imagem que ficou não foi a melhor.

“É inacreditável, parece que está a gozar connosco”, diz Melania, médica de 28 anos, à espera para votar no liceu Niccolo Machiavelli, perto da praça da Independência, no centro da capital. “A lei é tão complexa e disparata que não consigo votar nos partidos que a aprovaram. Eu consegui perceber a lei, estou é em completo desacordo”, afirma. “Vai ser o meu primeiro voto de protesto. E tenho pena, há partidos e candidatos de centro-esquerda que me agradam”.

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