Antigos armadores da Póvoa e Vila do Conde fazem ultimato à Segurança Social

Patrões que foram simultaneamente mestres das embarcações recebem reformas iguais a outros tripulantes, quando teriam direito ao triplo, garantem.

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Segundo a APP, haverá 200 antigos patrões e mestres a receber menos do que deviam de reforma Fernando Veludo/NFactos

A Direcção da Associação de Profissionais da Pesca (APP), espera até esta segunda-feira pelo agendamento de uma reunião com a secretária de Estado da Segurança Social, e está já de malas feitas para se instalar em Lisboa, caso não tenha resposta. A APP reivindica o pagamento de centenas de milhares de euros a antigos armadores da pesca artesanal de Vila do Conde e Póvoa de Varzim que foram também mestres das suas embarcações, e que estão a receber reformas idênticas aos pescadores que com eles trabalhavam, em violação, vincam, do contrato colectivo em vigor nesta zona do país desde os anos 80.

Na pesca, os descontos para a Segurança Social são feitos em lota, a partir da venda do pescado. O advogado vila-condense Abel Maia, que tem acompanhado este diferendo entre mestres/armadores e a Segurança Social, explicou ao PÚBLICO que a convenção que rege a actividade deste sector desde 1981 prevê que o mestre, pelo trabalho a bordo, desconte o referente a duas partes e que, se for ainda o patrão do barco, faça descontos relativos a uma parte. O problema, explicou, é que nos últimos anos se foi percebendo que cerca de 200 pessoas nesta situação estariam a receber uma reforma bastante inferior, calculada tendo por base descontos de apenas uma parte do rendimento semanal.

Há anos que alguns destes pescadores vinham tentando resolver o problema individualmente, sem sucesso, mas com a pressão exercida pela APP, fundada em 2014, a Segurança Social aumentou as reformas a algumas destas pessoas, pagando também retroactivos, embora relativos apenas a alguns anos. Ainda assim, houve quem recebesse mais de cem mil euros. Mas o que parecia uma boa notícia, e a reposição da legalidade, transformou-se num problema quando, no ano passado, a Segurança Social reconsiderou e lhes começou a exigir, por carta, a devolução do dinheiro pago, por entender que a documentação existente não comprovava o nível de descontos que os visados reclamavam ter feito.

“Isto é um saque que estão a fazer aos mestres/armadores de Vila do Conde e Póvoa de Varzim”, acusa António Viana, que em 2003 se reformou, com 60 anos, mas nunca aceitou o valor que lhe entrava mensalmente na conta bancária. Após quase década e meia de diferendo, que em casa lhe encheu uma “escrivaninha” com papéis e cartas trocadas com a Segurança Social, no ano passado este organismo aceitou aumentar-lhe a reforma de 970 para 1500 euros e enviou-lhe um cheque de 140 mil euros. Só que, depois de ter pago 45 mil euros de impostos, chegou-lhe uma carta a exigir a devolução daqueles retroactivos, o que nunca fez. E em resultado disso, diz, neste momento tiram-lhe “600 euros por mês” da reforma.

Actual armador de uma embarcação da pesca artesanal, mas reformado desde 2010, José Moça trabalhou 42 anos, 30 deles como mestre e dono de uma embarcação. Recebia 710 euros de reforma, mas entretanto viu esse valor reduzido para 545 euros, depois se de ter recusado a devolver os 25 mil euros que, num primeiro momento, a Segurança Social entendeu que lhe devia e sobre os quais pagara, também IRS. “Quando falam da almofada financeira da Segurança Social eu digo que é dinheiro meu que está lá metido”, critica.

O presidente da APP vem tentando resolver este assunto desde o primeiro Governo de Passos Coelho – então com o ministro Pedro Mota Soares – e está desde Outubro do ano passado à espera de uma resposta da secretária de Estado da Segurança Social, após a suspensão do pagamento de valores devidos (que só beneficiara cerca de 30 homens, diz) e da actualização das pensões a mais pescadores que tinham feito reclamação. A tutela, acrescenta, explicou-lhes em Setembro, numa reunião, que precisava de um mês para obter um parecer sobre esta questão. Passaram cinco meses. “Isto já satura”, desabafa este antigo mestre e armador, também ele prejudicado, e que tem as malas prontas para se instalar em Lisboa até ser atendido por algum responsável político do ministério.  

O advogado Abel Maia admite que a situação vai provocar um prejuízo para o Estado, que não poderá exigir de volta valores que possam estar a ser indevidamente pagos a pescadores que trabalharam nas embarcações envolvidas neste diferendo, mas, em função dos direitos adquiridos, considera que não lhe restará alternativa que não seja pagar. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar a Secretaria de Estado da Segurança Social para perceber qual vai ser a orientação da tutela nesta matéria e se receberá, ou não, a delegação da APP.  

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