Os refugiados perante o Direito nacional e internacional

O problema nunca será resolvido enquanto não for realizada uma eficiente política comum, de imigração e asilo, no âmbito da UE.

“Um saco com os seus pertences não é a única coisa que um refugiado leva para o seu novo país. Einstein foi um refugiado”
(excerto de um cartaz do ACNUR)

Alguns países, perante o recente e gigantesco movimento migratório, optaram por uma resposta securitária, fortificando as suas fronteiras com muros e vedações, como aconteceu na Hungria e em Calais (França), em vez de uma abordagem mais humanitária, porquanto esse movimento migratório era constituído por famílias com muitas crianças e mulheres grávidas, a precisar de ajuda imediata. Enquanto este drama alcançava cada vez maiores proporções, a União Europeia (UE) não sabia como resolver o problema. Perante a falta de organismos especializados para o efeito, a UE soube agir, coordenadamente, com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), aproveitando a sua larga experiência neste campo. Em 1946, a Assembleia Geral da ONU criou a Organização Internacional dos Refugiados, uma agência especializada temporária, destinada a procurar soluções para os problemas dos refugiados, em consequência da II Guerra Mundial, a maior parte dos quais se encontravam em acampamentos na Europa. Quando se tornou claro que o problema afinal não era temporário, os Estados-membros recorreram, em 1951, novamente à Assembleia Geral, que criou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Perante este quadro, há que reflectir e cumprir o que o direito internacional diz a tal respeito e tirar ilações a partir de casos semelhantes, ocorridos no passado. De acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 1948, “toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e beneficiar de asilo em outros países” (art. 14), direito esse reforçado pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950.

A primeira questão que se coloca é saber quem é refugiado. De acordo com o estatuto do ACNUR, a protecção do Alto Comissariado é extensiva “a qualquer pessoa que, devido a um receio fundamentado de ser perseguida, por motivos de raça, religião, nacionalidade ou opinião política, se encontre fora do seu país” e não tenha a protecção de um governo nacional. Em alguns casos, o secretário-geral da ONU pediu ao ACNUR para prestar assistência a pessoas desenraizadas e deslocadas em consequência de catástrofes provocadas pelo homem, dentro ou fora das fronteiras nacionais, embora tais pessoas não se enquadrem na definição formal de refugiados. O objectivo principal do ACNUR é conseguir soluções duradoiras para os problemas dos refugiados, permitindo-lhes regressar a casa, se o quiserem fazer, ou possibilitar-lhes a integração num novo país de acolhimento.

No entanto, isto tornou-se mais difícil de realizar, nos últimos anos, devido ao carácter inesperado dos novos fluxos migratórios, ao grande número de pessoas envolvidas e, frequentemente, à falta de meios nas áreas de chegada dos refugiados. Protecção especial devem ter as mulheres e crianças, mais vulneráveis à exploração e maus-tratos, aos actos de pirataria e ao tráfico humano, pelo que tais pessoas devem merecer a preocupação de toda a comunidade internacional. Saliente-se que, ao longo de décadas, o serviço mais persistente e dedicado à causa dos refugiados talvez tenha sido prestado pelos organismos de voluntários e pelas ONGs que por vezes actuam em coordenação com o ACNUR.

Sabemos que a deslocação de grandes quantidades de refugiados, como aconteceu recentemente, constitui um pesado fardo para os serviços e as infra-estruturas dos países de acolhimento, pelo que é necessário operar uma distribuição justa pelos 27 países da UE tendo em conta a dimensão geográfica e a situação económica de cada Estado-membro, na certeza de que o número de refugiados continuará a subir enquanto permanecerem os conflitos no Médio Oriente e na Ásia (Afeganistão e Paquistão).

Até ao momento, de acordo com os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Portugal acolheu 1535 requerentes de protecção internacional, número manifestamente exíguo face aos desejos manifestados por pessoas, empresas e instituições para os receber. Mas o problema nunca será resolvido enquanto não for realizada uma eficiente política comum, de imigração e asilo, no âmbito da UE.

Em Portugal, o direito de refugiado está consagrado no art. 33, n.ºs 7 e 8, da Constituição, remetendo para a lei ordinária. A Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, (alterada pela Lei 26/14, de 5/5), ao dispor sobre a preservação da unidade familiar do refugiado, estabelece que “os beneficiários do estatuto de refugiado ou protecção subsidiária têm direito ao reagrupamento familiar com os membros da sua família, nos termos definidos no regime jurídico de entrada, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional” (art. 68, 1º, e ainda arts. 4.º, 7.º e 65.º). 

Num texto escrito pela jornalista Ana Dias Cordeiro, publicado na edição do PÚBLICO de 26 de Fevereiro, ficamos a saber que “depois de mais um ano à espera do estatuto que lhes permite trazer marido, mulher e filhos para Portugal, os refugiados que chegam sozinhos ficam meses sem saber quando podem iniciar o processo de reunificação”, “podendo levar dois ou mais anos desde a chegada do primeiro elemento da família a Portugal”. Esta denúncia revela suficientemente bem a ineficácia dos serviços a quem compete, legalmente, decidir esta matéria. Infelizmente, os portugueses já sabem há muito o que a casa gasta, neste e noutros sectores da administração do Estado. Todos nós conhecemos histórias traumáticas com a burocracia.

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