Primeira acusação com base na lei que proíbe mencionar "campos polacos"

Site do jornal argentino Página 12 é alvo de processo por imagem que ilustra um artigo sobre um pogrom na Polónia

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A Polónia quer que não haja expressões dúbias sobre campos como o de Auschwitz-Birkenau, que estava em território polaco ocupado pela Alemanha e era gerido pelos nazis KACPER PEMPEL/Reuters

O grupo conservador polaco Liga contra a Difamação (RDI) iniciou na sexta-feira uma acção judicial para o primeiro processo com base na lei que proíbe acusar de responsabilidade ou cumplicidade o povo ou a nação Polaca por crimes do Holocausto cometidos quando o país estava sob ocupação da Alemanha nazi, com uma acusação contra o site do jornal argentino Página 12.

A acusação centra-se numa imagem usada para ilustrar um artigo sobre o massacre de judeus em Jedwabne, em Julho de 1941, em que centenas habitantes judeus da localidade foram fechados num celeiro que foi depois incendiado por habitantes polacos, sob supervisão de soldados nazis. Para ilustrar o artigo, foi usada uma foto de combatentes polacos que lutaram contra o regime instalado pela União Soviética e morreram nos anos 1950, diz a RDI.

A liga viu aqui uma “manipulação” pelo site de notícias para ligar o progrom com os combatentes anti-comunistas, uma acção que atenta “contra a nação polaca e a reputação dos soldados polacos” com o objectivo de “dar credibilidade à tese do anti-semitismo da Polónia aos seus leitores”, diz a queixa da RDI. O jornal demonstrou ainda “uma enorme ignorância sobre questões históricas, ignorância pela qual devia pedir oficialmente desculpa a todos os polacos”.

A RDI apontou ainda que este “será o primeiro caso judicial em que usaremos a nova lei”, que proíbe que haja referência a campos de concentração e extermínio polacos – um erro já que estes campos estavam localizados na Polónia ocupada pelos nazis e era geridos pelos alemães. Esta lei proíbe ainda que sejam apontados ao “povo e nação polaca” a responsabilidade por crimes cometidos no país durante o Holocausto 

Esta primeira acusação refere-se a uma notícia publicada em Dezembro, um mês antes da votação da lei no Parlamento e três meses antes de entrar em vigor, pelo que a sua elegibilidade é um pouco duvidosa, nota o site Notes from Poland, dos académicos especialistas em Polónia Stanley Bill e Daniel Tilles.

Polacos foram as segundas vítimas

Para Varsóvia, este é um meio de evitar um erro comum, a menção a "campos polacos", que sentem ser uma dupla injustiça, já que a Polónia foi dos países que mais sofreu durante a ocupação nazi (são o grupo com mais mortos logo a seguir aos judeus) e que manteve um governo no exílio resistindo à ocupação, por um lado, e que por outro mais pessoas tem distinguidas pelo centro Yad Vashem como “justos entre as nações”, de polacos que individualmente e sob grande risco (a pena era a morte) ajudaram ou esconderam judeus.

Durante anos as representações diplomáticas da Polónia mandaram cartas a jornais queixando-se do erro, que continua, no entanto, a ser repetido, por vezes até por responsáveis estrangeiros, como foi o caso em 2012 do então presidente dos EUA, Barack Obama numa cerimónia de elogio a um opositor polaco.

Mas fora da Polónia a lei é vista com incompreensão, sobretudo por ser demasiado vaga e ter o potencial de criminalizar menções ou investigações sobre a crimes que de facto foram cometidos por polacos, ou investigação sobre o grau de envolvimento polaco em alguns dos crimes.

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Visitantes no campo de concentração de Auschwitz Kacper Pempel/REUTERS

Por exemplo uma investigação sobre o caso de Jedwabne, o mesmo referido pelo portal argentino, foi contado apenas em 2000 pelo historiador Jan T. Gross, de como “metade de uma aldeia se juntou para matar a outra metade”, provocando um enorme debate na Polónia e reacções fortes de dois extremos, sendo elogiado por um lado por pegar num tema pouco estudado, mas criticado por apresentar os polacos de modo desfavorável.

A lei prevê uma pena de até três anos de prisão para quem for considerado culpado do crime.

Críticas de Israel

Israel criticou duramente a lei, por poder limitar a liberdade de expressão sobre os crimes do Holocausto e impedir críticas a acções de polacos. Também os EUA criticaram a proposta de lei e apelaram a que fosse repensada.

As relações entre a Polónia e Israel atingiram um ponto baixo com uma discussão muito pública sobre esta lei, em que a dada altura o primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki disse que também houve “crimes de judeus” contra judeus durante o Holocausto – uma declaração “chocante” para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.

O Estado hebraico aprovou uma lei em que estabelece que apoiará a defesa de qualquer acusado no âmbito desta nova lei.

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