Berlusconi encena união da direita e lança Tajani como candidato

Uma coligação que não pareceu nada unida na campanha apresentou por fim os seus líderes sentados lado a lado, num último esforço da direita para vencer no domingo. A UE entrou em cena, pela primeira vez de forma positiva.

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Berlusconi e Salvini ALESSANDRO BIANCHI/Reuters

É raro mas podem ganhar-se umas eleições num dia, como é possível perdê-las numa frase. Silvio Berlusconi já ganhou e perdeu de muitas maneiras. E aprendeu que a batalha só termina no fim: depois de uma campanha eleitoral de 42 dias em que a sua Força Itália e os outros três partidos que integram a coligação de direita e extrema-direita pareceram correr sozinhos, os quatro líderes juntaram-se finalmente num mesmo palco, em Roma, na quinta-feira à noite, mesmo se nem todos sorriram com a mesma vontade.

Horas depois, Berlusconi, que não pode ser eleito até 2019 por ter sido condenado por corrupção em 2013, tirou da cartola um último trunfo. Já há muito se sabia que queria para candidato à chefia do governo o actual presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani. Faltava este anunciar que aceitava o cargo, se a direita vencer as legislativas de domingo. “Agradeço ao presidente Berlusconi esta demonstração de estima”, escreveu Tajani no Twitter. “Esta noite disse-lhe que estou disponível para servir a Itália”, acrescentou o antigo jornalista, fundador do partido-marca de Berlusconi.

O acordo entre Berlusconi e Matteo Salvini, líder da antiga Liga Norte, agora Liga com Salvini, define que o primeiro-ministro será escolhido pelo partido mais votado. De acordo com a média das últimas sondagens (legalmente só são permitidas até duas semanas da ida às urnas), a Força Itália estava à frente, com 16,4%. Mas os 13,4% da Liga não desanimaram Salvini, convencido que chegou o seu momento e que foi capaz de convencer muitos dos milhões de indecisos a darem-lhe o seu voto.

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Berlusconi com Antonio Tajani, que foi um dos fundadores do Força Itália Arnd Wiegmann/EPA

O trunfo

Se no comício junto ao Templo de Adriano de Roma Salvini já teve de forçar alguns sorrisos amarelos, e Berlusconi, igual a si mesmo, roubava o palco e centrava em si as atenções, imagine-se como terá reagido ao anúncio que o parceiro-rival fez logo depois, no programa Matrix do Canal 5 da televisão italiana. “Estou contente por poder anunciar uma boa notícia. O actual presidente do Parlamento Europeu está disponível para liderar um governo de centro-direita”, afirmou, assegurando que os seus “aliados” tinham sido informados.

Em conjunto, Força Itália, Liga, Irmãos de Itália, de Giorgia Meloni, e Nós com Itália, de Raffaele Fitto, reuniam há duas semanas 36,8% das intenções de voto dos italianos, bem à frente da coligação de centro-esquerda, que tinha 28,1%, mas ainda longe da maioria. Com uma lei eleitoral por estrear, e que junta o voto proporcional ao uninominal, os especialistas calculam que a maioria se alcance com 40%, (mas também há quem defende que isso só será possível com 44%).

Em termos de partidos, o que reúne de longe mais votos não está integrado em nenhuma coligação. É o Movimento 5 Estrelas, agora liderado por Luigi Di Maio, que os últimos inquéritos apontavam que teria 28% dos votos (em 2013, quando já foram o partido mais votado, tinham aparecido subvalorizados nas sondagens).

“Pacto M5S-Liga”

A Liga desmente e o jovem Di Maio também, mas sabe-se que as duas formações chegaram a manter contactos próximos (e até trabalharam num programa económico comum em 2016) e ninguém é obrigado a manter as coligações pré-eleitorais depois de contados os votos.

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Giorgia Meloni (Irmãos de Itália), Silvio Berlusconi (Força Itália), Matteo Salvini (Liga Norte), e Raffaele Fitto (Nós com Itália) Alessandro Bianchi/REUTERS

“A Itália corre um risco muito sério, temo um pacto M5S-Liga”, foi o título escolhido pelo jornal La Repubblica na entrevista ao líder do Partido Democrático, Matteo Renzi, e da coligação de centro-esquerda, que publica esta sexta-feira.

Numa conversa de bastidores, mas com microfones ligados, publicada no diário Corriere della Sera, Meloni disse a Salvini acreditar que a Liga “será o mais votado na coligação”, enquanto Fitto antecipava que “o M5S pode vencer todos os círculos”, mas já o PD “vai entrar em colapso”.

Fitto deixou escapar outra frase, uma que o M5S não deixou passar: “No Sul, os ‘grillini’ estão a arrasar”. “Grillini” é a forma como se convencionou chamar aos membros do movimento formado em 2009 pelo humorista Beppe Grillo. “A terra está a tremer debaixo dos seus pés”, escreveu o 5 Estrelas no seu blogue oficial.

Com tanto que separa estes líderes da direita, na única vez em que estiveram juntos limitaram-se a sublinhar as posições comuns. Todos defendem um imposto único sobre o rendimento (flat tax), o bloqueio à chegada de mais imigrantes ou refugiados, e a deportação de centenas de milhares de pessoas que estão no país em situação irregular. Também estão de acordo nas críticas ao amadorismo do M5S e no balanço negativo que fazem dos cinco anos de governação do PD, que acusam de ter criado “mais três milhões de pobres”.

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Giorgia Meloni, líder dos Irmãos de Itália, com o primeiro-ministro húngaro, Victor Orbán Gabinete do Primeiro-Ministro Húngaro/Lusa

“Silvio, Silvio”

Bastidores à parte, Berlusconi é o rosto desta coligação e foi com gritos de “Silvio, Silvio” que os quatro dirigentes subiram ao palco nesta encenação de unidade. Mas com Meloni a visitar Viktor Orbán (o primeiro-ministro húngaro, que já descreveu a União Europeia como “potência colonizadora”) em plena campanha e Salvini a desejar ainda secretamente referendar o euro, há mais a separá-los do que a uni-los, para além da vontade de chegar ao poder.

E a Europa, onde Berlusconi é agora visto como garante de estabilidade, não foi muito bem tratada na campanha, pelo que não é certo que efeito terá o anúncio de Tajani. “A União Europeia é um saco de boxe perfeito, pode ser esmurrado à vontade e nunca responde”, diz Daniele Albertazzi, especialista em política europeia e italiana. “É um alvo fantástico e faz sentido que seja usado em campanha. Todos nós temos muitas dificuldades em perceber como funciona a União, pelo que é fácil culpá-la por quase tudo.”

Os italianos, aliás, sentem ter sido abandonados pelos seus parceiros da UE e o voto de domingo pode traduzir esse descontentamento, avisou na semana passada o Instituto Jacques Delors, num estudo divulgado em Bruxelas. “Os italianos não se tornaram eurocépticos, mas testemunham uma grande euro-frustração, uma grande decepção face à Europa”, defendeu Sébastien Maillard, director deste centro de reflexão europeu.

“A gestão da crise migratória explica o sentimento de abandono”, diz Maillard, sustentando que estas legislativas “decorrem sob a sombra de uma crise tripla: económica, migratória e de representação”. Isso pode contribuir para mudar profundamente a relação dos italianos com a UE. De acordo com este estudo, “46% dos italianos dizem-se convencidos que o seu país podia estar melhor fora da União”, opinião que só 29% tinha em 2012.

A ajuda dos políticos

Os políticos italianos ajudaram, sublinhou Sébastien Maillard. “Tiveram um discurso político negativo sobre o euro”, lamentou, recordando as tomadas de posição de Berlusconi quando era primeiro-ministro ou a decisão de Renzi, que fez retirar a bandeira europeia do seu gabinete quando chefiou o governo.

Não é difícil perceber que muitos partidos “se atirem à UE”. Foi isso que fizeram em muitos casos a própria Liga e os Irmãos de Itália, principais aliados de Berlusconi, ou partidos como o M5S. Mas aconteça o que acontecer, Albertazzi garante que a relação de Itália com a União não está em risco, “sair da Europa seria impensável e já ninguém vai referendar o euro, essa ideia é ridícula, o M5S percebeu que a proposta nem sequer agrada a grande parte do seu eleitorado, só Salvini ainda acredita nisso”.

Mesmo que as sondagens estivessem todas erradas e o M5S tivesse hipóteses de governar, Albertazzi não espera que fizessem mais do que “algumas acções simbólicas, teatro na verdade”, para mostrar que não estão dispostos a aceitar tudo o que diz Bruxelas. Mas sem mudar nada de substancial na relação.

O problema, diz o académico, é outro e bem mais antigo: “É que a Itália não está a desempenhar o papel que podia e devia na Europa, tendo em conta a sua dimensão e o peso da sua economia. Não vai fazê-lo depois destas eleições, mas já não o fez nem com Berlusconi nem com Renzi”.

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