Dormir com oito mil anos de história à cabeceira

De uns abandonados armazéns junto à zona ribeirinha de Lisboa nasceu um cinco estrelas. E, pelo caminho, desenterraram-se oito mil anos de história.

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Sebastião Almeida
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Um cinco estrelas no qual nada foi deixado ao acaso, entre luxos requintados e serviço cuidado, mas que ganhou uma alma única no decorrer das obras: é hotel, mas também um museu que guarda valiosas informações históricas. Isto ao mesmo tempo que se vira para o futuro da cidade à medida que toda a zona ribeirinha, entre Santa Apolónia e a Praça do Comércio, vai ganhando nova vida, alicerçada no redesenho urbanístico, na recuperação de edifícios e até no novo terminal de cruzeiros, vizinho deste Eurostars Museum e que, em breve, passará a ser porta de entrada para milhares de turistas.

Por tudo isto, “não foi uma obra fácil”. Afinal, cada parede que era derrubada punha a descoberto outra estrutura carregada de informação. E tudo teve de ser feito muito mais devagar, com um compromisso entre a vontade de controlar os custos inerentes, começar a operar o quanto antes, recuperando o valor avultado do investimento, e o esforço em preservar “pedaços de ADN” da própria cidade.

Uma estela escrita em fenício, com direito a lugar de destaque no circuito expositivo que pode ser visitado por hóspedes ou curiosos, foi considerada “um dos achados da década” pela National Geographic. Mas, ainda que de extrema importância, uma vez que testemunha que os fenícios se radicaram na costa Atlântica durante a Idade do Ferro, não sendo apenas meros mercadores de passagem efémera, este é apenas um exemplo da importância dos achados nos antigos Armazéns Sommer, entretanto transformados em escritórios, tendo esse uso até 1975.

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A história do espaço é bem mais antiga e, ao longo dos trabalhos de transformação, foram recolhidos artefactos que testemunham cerca de oito mil anos de História, desde o Neolítico antigo até aos dias de hoje. Mas, mais importante que os objectos em si, foram as informações possíveis de recolher graças aos mesmos, como explica Nuno Neto, da Neoépica, empresa responsável pela escavação do local, avaliação, posterior montagem e que hoje acompanha as visitas do público.

O resultado levou a que o design do próprio hotel abraçasse a História, quer expondo objectos carregados de significado, como uma colecção impressionante de cachimbos holandeses datada do século XVIII, quer mantendo zonas intocadas, como o espaço, junto ao hall de entrada, em que se pode observar o mosaico invulgarmente bem preservado que a equipa de  arqueólogos, liderada por Ana Gomes, já tinha descoberto no decurso dos trabalhos no início do milénio e que a Neoépica acabou por, literalmente, destapar, mostrando ao centro a deusa Vénus “a calçar ou a descalçar uma sandália”, sendo o único de padrão policromo da cidade. “Há outro em excelente estado de conservação, no Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, mas esse é de apenas duas cores.”

Luxuosa modernidade no embalo da História

Se pelo restaurante, bar de vinhos, lobby, salas de trabalho e corredores é a História que dá cartas, nos quartos respira-se modernidade, ainda que não se vire totalmente as costas ao passado — as representações de  mapas de zonas relevantes durante o período de Descobrimentos, nas telas que dão cor aos aposentos de diferentes tipologias, saltam imediatamente à vista assim que abrimos a porta da nossa suíte, abandonando os corredores escuros e cujas alcatifas abafam os nossos passos.

Nos aposentos, vence a sensação de espaço, sobretudo pelo trabalho feito no sentido de aproveitar sabiamente a luz que, em alguns, é também reflectida do rio. Noutros, é a pitoresca Alfama, de ruas estreitas e íngremes, que nos entra pelas janelas, convidando-nos a fazer parte do típico bairro e das conversas que dele emergem. Há ainda aposentos com vista para um terraço interior, de piso trabalhado com motivos em pedra para criar uma atmosfera mais elitista e vistas menos claustrofóbicas. No nosso caso, conseguimos um três-em-um, podendo respirar os aromas trazidos pelo rio transbordante (na maré vazia provavelmente será melhor manter as janelas fechadas...), observar quem caminha de máquina em punho pelos traçados ainda em obras e espreitar sorrateiramente as idas e vindas sob o Arco de Jesus.

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Um hotel, uma identidade

A cadeia Eurostars tem vindo a expandir-se rapidamente nos últimos anos, somando actualmente mais de uma centena de unidades distribuídas por 15 países, com várias aberturas previstas para os próximos tempos (por cá também). No entanto, explicou à Fugas o director de Expansão e Desenvolvimento do Grupo Hotusa em Portugal, Luís Cruz, a ideia não passa por homogeneizar os espaços, mas antes tornar cada um único. A uniformização é feita antes nos exigentes parâmetros do serviço ou nos detalhes de conforto que, acredita, os seus hóspedes esperam.

Fazemos a prova dos nove na suíte a ocupar o canto do edifício, cuja tipologia inclui zona de dormir, sendo possível acordar com os olhos quase postos no rio, uma área de estar, com um ultraconfortável sofá e secretária de trabalho, e a casa de banho totalmente separada do resto da divisão, contrariando as tendências dos últimos anos de integração da mesma.

Seja a que horas for, deixar o mundo que corre lá fora e relaxar é imperativo para aproveitar todo o conforto proporcionado. A começar pelo sonoro, com um isolamento acústico muito eficiente que nos permite aproveitar o “ninho” para ler, trabalhar, ver televisão num confortável sofá que se transforma em mais uma solução de cama (pensada para famílias com crianças pequenas) ou simplesmente adormecer, numa cama que parece que se molda ao corpo e com direito a personalizar almofada (não foi preciso; as oferecidas por defeito cumprem a missão). Isto sem nenhum tipo de burburinho a atrapalhar ou ruído indesejável.

No regresso ao mundo, o pequeno-almoço oferece a energia e a variedade exigíveis, com destaque para a boa confecção e qualidade dos produtos expostos. Mas, para terminar em beleza, é obrigatória uma ida ao spa, com um mergulho na piscina interior ou incursão à sauna. E talvez imaginar uma viagem ao passado, a desfrutar das termas que naturalmente fariam parte da casa que albergava o incrível mosaico com a imagem de Vénus.

A Fugas esteve alojada a convite do Eurostars Museum

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