Quini, a história de um sequestro

Falecido nesta semana, o grande avançado do Barcelona e do Sp. Gijón esteve 25 dias cativo numa cave.

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Quini nos tempos em que jogava no Barcelona EPA

Primeiro dia de Março de 1981. O Barcelona mantém uma perseguição apertada ao Atlético Madrid com uma vitória por 6-0 em Camp Nou sobre o Hércules, ficando a dois pontos dos “colchoneros” a uma semana de visitar o Vicente Calderón. Enrique Castro González “Quini”, a “estrela” asturiana dos “blaugrana”, marca dois na goleada e, depois do jogo, faz uma passagem rápida por casa antes de ir ao aeroporto buscar a família, que tinha ido passar o fim-de-semana a Gijón. No caminho, Quini parou para meter gasolina e foi abordado por dois homens, um deles armado com uma pistola ferrugenta. Quini não resistiu e foi com eles.

Esta é a história dos 25 dias de sequestro de um dos grandes avançados da história do futebol espanhol e que faleceu na passada terça-feira, com 68 anos, vítima de um ataque cardíaco, quase 27 anos depois do rapto e com a coincidência cósmica de ter acontecido poucos dias antes de um Barcelona-Atlético com influência nas contas do título espanhol. Não foi pelo rapto que Quini ficou para a história do futebol espanhol, mas a forma como lidou com ele só reforçou a sua dimensão humana. Para além de Quini, o goleador (sete vezes “pichichi”, entre Barcelona e o “seu” Sporting de Gijón), também foi Quini, o nobre.

O início dos anos 1980 foi um período particularmente turbulento em Espanha, então ainda uma democracia jovem a viver os seus primeiros anos pós-franquismo – marcados por uma tentativa de golpe de Estado para restaurar a ditadura – e um país atormentado pelos ataques terroristas de grupos separatistas bascos da ETA. Os terroristas bascos foram os primeiros suspeitos do rapto de Quini, embora a ETA não tivesse um historial de ataques na Catalunha. Na verdade, não havia qualquer motivação política no sequestro do goleador. Quini não tinha sido raptado por operacionais bem treinados. Era um grupo de mecânicos e electricistas de Saragoça, nenhum deles com antecedentes criminais. E, como se viria a perceber, o plano estava longe de ser perfeito.

O contacto dos sequestradores não foi imediato. Nenhum deles tinha um número de telefone que fosse de alguém do Barcelona ou até das autoridades para comunicarem as suas exigências – foi Quini, o prisioneiro, a sugerir que ligassem para casa dele e falassem com a mulher. Nem tinham acertado entre eles o montante do resgate – num contacto falavam em 10 milhões de pesetas, noutro já falavam em 100 milhões, e acabaram por se fixar nesta quantia, que corresponde a cerca de 600 mil euros nos dias de hoje.

Também não havia acordo sobre o dinheiro do resgate seria entregue. O plano inicial era ter um jogador do Barcelona, o basco José Ramón Alexanko, viajar até ao País Basco francês com o dinheiro, mas este plano acabou por não resultar porque não houve qualquer coordenação entre as autoridades francesas e espanholas. Depois, o Barcelona sugeriu aos raptores que abrissem uma conta num banco suíço que seria protegida pelas leis do anonimato. A sugestão foi aceite e um dos raptores viajou até Genebra para levantar o dinheiro do resgate.

A polícia suiça conseguiu que o Credit Suísse levantasse o sigilo bancário neste caso. O raptor que ia buscar o dinheiro foi capturado e contou tudo. Quini estava cativo numa cave de uma oficina em Saragoça, e foi libertado nesse mesmo dia, 25 de Março de 1981. Os raptores foram condenados a dez anos de prisão e a pagarem uma indemnização ao goleador, que rejeitou ser compensado e perdoou-os. “Não estava desconfortável”, contou Quini mais tarde. “Houve um dia em que me trouxeram a ‘Marca’ [jornal desportivo] para eu saber os resultados do futebol e até me deixaram ver um jogo na televisão. Eram boas pessoas que não queriam fazer-me mal.”

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