Alcoutim tem projecto para criar um Observatório Nacional para a Desertificação

Uma exposição de fotografias dá conta de um Algarve abandonado, onde a natureza fez o seu caminho e os homens desapareceram.

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As novas estradas rasgaram montanhas, mas não levaram – ao contrário do seria expectável – mais pessoas para o interior. O Itinerário Complementar (IC 27), que liga Alcoutim ao litoral, é um exemplo de como as boas vias de comunicação, por si só, não são suficientes para inverter a tendência do declínio demográfico. Como intervir num território que virou costas ao interior? Nesta sexta-feira, no encontro “Jornadas do Mundo Rural” que decorre na vila algarvia, saiu uma proposta: criação do Observatório Nacional da Desertificação liderado pela Universidade do Algarve.

O presidente da câmara de Mértola, Jorge Rosa, de imediato, declarou o apoio à iniciativa lançada pelo município de Alcoutim: "Temos uma realidade próxima e problemas semelhantes”, justificou o autarca socialista, que é também presidente da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo. O encontro, com mais de meia centena de participantes, traçou algumas perspectivas futuras: “Não sou daqueles que gosta de fazer passar a mensagem dos coitadinhos”, enfatizou o autarca, preconizando a necessidade de “novas atractividades” para os territórios de baixa densidade, com enfoque no património natural e paisagístico.

O resultado deste virar costas do Algarve à sua zona serrana está bem patente na exposição fotográfica de Telma Veríssimo, que decorre até final do mês na Casa do Sal, em Castro Marim. Loga à entrada está uma imagem do IC27 – uma larga via, sem automóveis. “O progresso foi chegando, e as pessoas foram saindo”, diz a ex-fotógrafa do PÚBLICO, que andou um ano a percorrer o interior em busca dos lugares e memórias da sua infância. “Os meus avós eram de São Marcos da Serra, conheço estes lugares”, comentou.

As fotos, a preto e branco (entretanto editadas num livro), podem ter várias leituras. “Se não fosse o IC27, eu seria mais um dos tinha virado costas à serra, partia em definitivo”, confessa Abílio Frade, o ex-bancário que se converteu em produtor florestal, depois de se reformar. 

Decorridos mais de 12 anos desde a inauguração do IC 27, o caminho do progresso que então se prometeu faz-se ao contrário. As pessoas partiram para o litoral e o que hoje sobressai na paisagem serrana é a imagem dos esqueletos de sobreiros, atingidos pela doença. “Mas se não houvesse a estrada, seria muito pior”, reconhece a fotógrafa, que escolheu a imagem de uma casa em ruínas, com a mesa posta, para ilustrar o abandono: “É como se alguém partisse e deixasse uma mensagem - volto já”. O regresso às aldeias parece cada vez mais uma miragem. A mancha de esteva avança a galope pelos terrenos xistosoa, e o que se promete para Alcoutim é a instalação de um grande parque de energia solar, promovido por uma empresa chinesa. Sobre o turismo cultural, não obstante os esforços autárquicos, os resultados são reduzidos. Em Santa Justa, por exemplo, foi reconstituída uma sala de aula, numa antiga escola primária, só que a porta está fechada a maior parte dos dias por falta de visitantes.

Hoje, a escola básica do concelho possui apenas 35 alunos, quando há dez anos tinha 87. “O que mais precisamos aqui é de pessoas”, diz o presidente da câmara, Osvaldo Gonçalves, lamentando as políticas no sector do ensino: “O ministério da Educação, em vez de incentivar a fixar os docentes que concorreram para escolas do interior, abriu concursos que incentivaram a saída para as cidades”.

Apesar das dificuldades e do isolamento, há sempre alguém que resiste e diz não à tendência generalizada do êxodo. A engenheira agro-florestal Ângela Marina, de Almada, vive em São Bartolomeu de Messines (Silves), dividindo-se profissionalmente entre os concelhos de Alcoutim e Grândola para apoiar os agricultores. Quantos quilómetros percorre por dia? “Não gosto de os contar, fico assustada”, diz. Leva mais de hora e meia para chegar ao trabalho e por semana soma mais de 500 quilómetros. “É preciso muito amor à camisola”, desabafa.

A colega Ana Gancho, ambas técnicas da Associação de Proprietários Florestais das Cumeadas, veio de Queluz: “Gosto de aqui estar, vim de um concelho densamente povoado para um lugar isolado, com poucas pessoas”. Fixou residência na aldeia do Pereiro mas são as novas rodovias que a fazem sentir ligada à urbanidade - faz compras em Vila Real de Stº António, vai ao cinema a Tavira. “O isolamento existe, não é que não sinta, mas se não fosse o IC 27 seria muito pior”, dizem. Telma Veríssimo partilha uma opinião semelhante: “Se calhar a estrada chegou tarde demais”, observa. Para trás daqueles montes, de solo esquelético, ficou um rasto de desilusão que pode ser traduzida na imagem exposta de uma chaminé, em ruínas, invadida pelas raízes de plantas silvestres. “É a natureza a fazer o seu caminho”, diz a fotógrafa, lembrando que não são apenas as pedras das casas que se desagregam – perde-se a memória de uma região. “Fez-me lembrar os cem anos de solidão [de Gabriel Garcia Marquez].

José Carlos, o coveiro do cemitério de Salir, é uma das personagens da exposição: “Fui ao cemitério para fotografar um funeral”, diz. Mudou de ideias. O homem que conduz as pessoas do reino dos vivos para a “última morada” tocou-a: “Dizem que um coveiro não tem coração, mas quando eu ando sozinho na carrinha, aí pelos montes sem ninguém, choro”, lê-se na legenda. Nesta freguesia morrem quatro vezes mais pessoas do que nascem.      

                

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