Uma contratação pública mais potenciadora das PME?

Esta nova abordagem dos critérios de adjudicação representa um enorme desafio para a generalidade das entidades.

O atual Código dos Contratos Públicos foi aprovado há precisamente uma década, pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro. Desde então, o referido Código foi revisto já nove vezes, a última das quais no ano passado, com o Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto.

Esta última alteração às regras legais da contratação pública decorreu, desde logo, da necessidade de cumprimento das obrigações europeias do Estado português. Com efeito, impunha-se ao legislador nacional a transposição das Diretivas n.ºs 2014/23/EU (relativa à adjudicação de contratos de concessão), 2014/24/EU (relativa aos contratos públicos), 2014/25/EU (relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais) e 2014/55/EU (relativa à faturação eletrónica nos contratos públicos).

O Decreto-Lei n.º 111-B/2017 proclama ter como objetivos, entre outros, os da simplificação, da desburocratização, da flexibilização, da transparência e da boa gestão pública. Uma das principais inovações introduzidas por esta nova alteração ao Código dos Contratos Públicos é a que fixa como critério regra de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa. Deixa, assim, de se considerar apenas o preço mais baixo para se passar a atender, por regra, ao critério da melhor relação qualidade-preço, nomeadamente em termos de custo-eficácia e considerando o ciclo de vida do objeto da contratação.

Esta alteração afigura-se, em princípio, positiva na medida em que, de um lado, as entidades adjudicantes passarão a ter de atribuir um maior relevo à qualidade técnica das propostas e não só ao respetivo preço, e, do outro, aquelas entidades deverão considerar de um modo mais adequado as propostas efetuadas por empresas de menor dimensão, maxime as designadas Pequenas e Médias Empresas (PME’s), as quais, embora não raro disponham de elevados níveis de qualidade nos seus bens, serviços e produtos, enfrentam normalmente dificuldades acrescidas em matéria de preços na comparação com as grandes empresas.

É certo que esta nova abordagem dos critérios de adjudicação representa um enorme desafio para a generalidade das entidades adjudicantes, habitualmente tendentes a optar por fornecedores de maior dimensão. Mas não é menos verdade que o anterior critério do preço mais baixo conduzia muitas vezes a escolhas discutíveis, senão mesmo erradas, em que os operadores escolhidos não eram os que apresentavam propostas melhores mas, ao contrário, as de pior qualidade e, consequentemente, as mais prejudiciais ao interesse público.

Igualmente se deve ter presente que a adjudicação pela proposta economicamente mais vantajosa contém o risco de atribuir uma perigosa discricionariedade às entidades adjudicantes no processo de escolha das propostas de contratação que lhes sejam apresentadas. Importa, por isso, garantir de forma particularmente rigorosa o respeito pelo princípio da transparência, de modo a evitar a ocorrência de escolhas motivadas por razões alheias à boa gestão pública.

Esta exigência é particularmente importante se tivermos presente que, segundo os dados do portal da contratação pública, mais de 90% dos contratos celebrados por entidades públicas, seja na compra de bens ou de serviços ou na adjudicação de obras públicas, observam atualmente a forma do ajuste direto, um peso manifestamente excessivo, como o Tribunal de Contas tem reiteradamente alertado, para mais quando esse procedimento de contratação é o que reveste menores garantias de transparência, sendo seguramente também o menos concorrencial. Neste contexto, duvida-se que a redução dos montantes máximos em que é possível recorrer ao ajuste direto (de 75 mil euros para 20 mil euros na aquisição de bens e serviços e de 150 mil euros para 30 mil euros na adjudicação de obras públicas) seja, ainda assim, suficiente para garantir a exigível transparência agora proclamada pelo legislador.

Uma outra alteração relevante é a que diz respeito à promoção da adjudicação de contratos sob a forma de lotes, medida prevista no artigo 46.º-A do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, e que se poderá revelar como potenciadora da concorrência e incentivadora da participação das Pequenas e Médias Empresas nos processos de contratação pública.

Igualmente se afigura que a introdução de novas regras em matéria de encurtamento dos prazos mínimos de apresentação de candidaturas e de propostas, bem como no âmbito do suprimento de irregularidades nas propostas, podem favorecer as empresas de menor dimensão, já que estas têm, naturalmente, uma menor capacidade técnica na preparação dos procedimentos para a formação de contratos do que as grandes empresas.

Dito isto, subsiste uma dúvida prática, qual seja a de saber se os operadores económicos e os próprios técnicos responsáveis das entidades adjudicantes dispõem atualmente de formação adequada para lidar com a crescente complexidade das regras da contratação pública agora aprovadas, aspeto decisivo para potenciar os efeitos que se desejam positivos nesta nova revisão do Código dos Contratos Públicos.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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