Farto de “esperar que outros façam”, Francesco Galtieri quer ser eleito
É um dos italianos que emigraram por vontade e não por necessidade. Mas depois de 18 anos no estrangeiro e de uma longa experiência da ONU, decidiu que só na política pode tentar mesmo “mudar a sociedade”.
Não faz parte dos dois milhões de italianos, na maioria jovens, que deixaram o país entre 2006 e 2017, elevando o número de emigrantes para cinco milhões (a Fundação Migrantes acredita que são muitos mais os não registados nas embaixadas). Aliás, Francesco Galtieri, nascido em 1977 e com 18 anos no estrangeiro, incluindo 16 a trabalhar em prevenção e resolução de conflitos nas Nações Unidas um pouco por todo o mundo, está de regresso a Itália. E com vontade de pôr mãos à obra.
Domingo, Galtieri terminou a campanha: nas eleições de 4 de Março, é candidato à Câmara dos Deputados pelo círculo da América do Norte nas listas do partido +Europa (liderado por Emma Bonino) e os boletins de voto dos italianos no estrangeiro já viajaram para Roma. “Nunca estive completamente distante. Mantive um interesse académico, estive várias vezes em Itália nesse âmbito. E há mais de 15 anos, com amigos, criámos uma associação, um Laboratório de Cidadãos, para tentar levar para Itália boas práticas de democracia participativa e colaborativa, políticas locais”, conta.
Francesco Galtieri deixou o seu país em 1999, durante o primeiro Governo de centro-esquerda de Romano Prodi (que em breve seria presidente da Comissão Europeia), e entre os dois primeiros governos de Silvio Berlusconi (1994-1996 e 2001-2006). Ainda voltou para cumprir o serviço militar de dez meses, em 2001, acabando por ser colocado a escrever discursos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, “uma experiência bastante interessante”.
A seguir vieram os anos em que “era uma vergonha representar Itália no estrangeiro”. “Toda a gente se ria de Itália, os media internacionais pegavam nas histórias mais ridículas sobre Berlusconi, nas promessas impossíveis, nos escândalos. Foram tempos duros, principalmente para os diplomatas que eu ia encontrando”, recorda.
Também foram os tempos em que se cruzou pela primeira vez com Emma Bonino, quando a política de esquerda italiana visitou o Burkina Faso, em campanha contra a mutilação genital feminina, era Galtieri chefe da missão da ONU no terreno, longe de sonhar que um dia seria candidato a um lugar de deputado num partido liderado por Bonino.
Crítico da UE
Francesco Galtieri, que estudou Direito Internacional e depois Lei Pública Internacional (com Erasmus em Lisboa, na Universidade Nova), fez ainda um doutoramento em Estudos Africanos, quando sentiu “necessidade de uma formação mais política sobre as realidades” com que contactava. Passou pelo Burkina Faso, Chade, República Centro-Africana, Alemanha, Holanda e Nova Iorque, onde vivia antes da última aventura — no futuro próximo, pensa dividir o tempo entre Itália e Nova Iorque.
Há dois, três anos, ele e os mesmos amigos da associação cívica, incluindo Alessandro Fusacchia, que já trabalhara com Bonino e com Prodi em Roma e em Bruxelas, começaram a discutir a ideia de entrar na política, decididos a “não esperar mais que os outros façam o que tem de ser feito”. “Percebemos que a sociedade civil pode ajudar a mudar comunidades, mas a política é a única maneira de mudar as sociedades”, diz.
Para ter a certeza do que queria, sabendo que estaria a “deixar para trás uma carreira internacional bastante bem-sucedida”, decidiu tirar um ano sabático e fez um programa em Harvard, onde entre outros temas aproveitou um curso sobre o futuro da Europa.
“Sou muito crítico da União Europeia actual, mas acredito muito no aprofundamento da integração europeia”, explica. A certa altura, alguns amigos foram ter com ele a Boston e passaram duas semanas a discutir o que fazer: a conclusão foi fundar um partido.
O partido existe e chama-se Movimenta, “é um verbo, e convida cada um a mobilizar-se e a mobilizar mais alguém”. Fundado o Movimenta, era preciso decidir se avançavam para concorrer a eleições.
O debate continuou e o grupo decidiu que não tinha de fazer o percurso sozinho. “Mesmo não concordando com muitas posições de Emma, temos uma abordagem muito mais liberal da economia, por exemplo, a verdade é que ela é a única pessoa em que nos revemos em termos de valores. Não víamos ninguém tão transparente e coerente.”
E assim, acabaram por estar eles próprios na origem do novo partido de Bonino, +Europa, que concorre na coligação de centro-esquerda liderada pelo Partido Democrático, de Matteo Renzi.
“A nossa ideia principal passa pelos direitos económicos, pelo futuro do trabalho em Itália. O contrato social está em crise no país por causa do desemprego. A falta de emprego está a privar as pessoas da sensação de que têm um papel na sociedade”, defende. “Um professor acrescenta valor social, mas um operário que ajuda a construir um carro também. Sabe que está a contribuir para a economia, para a vida do país. Sem ele, aquele carro não existia. Se os políticos querem uma sociedade coesa têm de mudar o mercado de trabalho”, diz Francesco Galtieri.
Renovar os radicais
As conversas com Bonino começaram sem um objectivo final. “Nasci uma radical, vou morrer radical”, disse-lhes a mulher que o jornal britânico The Guardian descreveu esta semana como “a consciência pró-Europa e pró-imigrantes de Itália”. “Ela gostou das nossas ideias mas inicialmente pensou que tínhamos caminhos diferentes. Só que os radicais tinham um problema de falta de renovação e, às tantas, percebemos todos que ganhávamos em unir a credibilidade e a experiência de Emma com a nossa energia e as nossas ideias diferentes.”
E assim nasceu o +Europa, um nome simples e directo. “Emma defende que é importante ter uma palavra simples, que a nossa avó oiça e entenda o objectivo e o sentido. Depois, podemos explicar ao que vimos”, diz Galtieri. “Toda a gente ainda tenta definir os partidos em termos de esquerda e direita. Mas nós acreditamos que a verdadeira divisão hoje se faz entre os que querem fechar-se em redor do nacionalismo, da ideia do Estado-nação, e os que defendem uma sociedade mais aberta, que percebe que só em conjunto é possível enfrentar os grandes desafios das mudanças climáticas e da segurança”. +Europa quer dizer isto tudo.
Há dez candidatos saídos do Movimenta, metade concorre pelos círculos estrangeiros, na Europa e na América do Norte; metade está em listas nacionais, em Veneza ou na Calábria (onde concorrem ao Senado). Nestes dez nomes inclui-se uma ex-deputada do Movimento 5 Estrelas, desiludida com a ortodoxia interna do partido que as sondagens apontam como mais votado a 4 de Março.
Foi em campanha que Galtieri conheceu um outro lado da imigração italiana. “Nunca me tinha relacionado muito com estas pessoas, com os que deixaram o país depois da II Guerra Mundial. São um pouco nostálgicos na sua relação com Itália. Não seguem a actualidade como as pessoas da minha geração, estão ligados ao país por pequenas coisas simbólicas, querem que os filhos tenham nacionalidade italiana”, por exemplo. Também por isso quer viver entre cá e lá, para se manter próximo do eleitorado que vai representar se for eleito.
Não prometer tudo
Para além desta descoberta, Francesco Galtieri fixou o momento na campanha em que percebeu que “tanto na política é teatro”. “Estava numa acção com vários candidatos. E os outros falaram todos antes de mim e prometeram, prometeram. Quando chegou a minha vez disse ‘não sei se estão preocupados enquanto eleitores, mas eu, como candidato, fiquei a pensar que estas pessoas devem ser doidas’. Temi o pior mas as pessoas começaram a aplaudir”.
Entre o +Europa e o Parlamento há muitos obstáculos e Francesco Galtieri sabe disso. “Muita gente tem medo de votar em partidos fora do mainstream. Muitos eleitores me perguntam por que é que devem votar em nós se não vamos ser maioria. Um partido antes de ser grande começa por ser pequeno, tento explicar. E em Itália, a fraca qualidade dos media não ajuda. Preferem dar espaço a partidos pequenos como os de extrema-direita, que dizem coisas aberrantes, em vez de ouvirem Emma falar da Europa.”
Aconteça o que acontecer, Galtieri sabe o que gostaria de ver no próximo Governo e resume-o em poucas palavras: “Um maior nível de seriedade”. “Bastava isso. A economia tem crescido, as exportações ajudam, mas temos uma dívida pública gigante [136% do PIB] que os últimos governos não diminuíram mesmo com os baixos juros. Os mercados gostam de seriedade e as pessoas também”, diz.
Mesmo que seja difícil falar de temas difíceis sem entrar em demagogias e sem esquecer a complexidade dos problemas, a partir de agora Galtieri terá a “política como actividade a tempo inteiro” e o activismo cívico ficará para as horas vagas. Para que Itália tenha futuro e para que os jovens, o grupo em que o desemprego e a pobreza mais cresce, se sintam parte do país. Aconteça o que acontecer, a sua vida também já não tem recuo.