Locomotivas centenárias são sucata para a CP e estão à venda para abate

Locomotivas a vapor do início do séc. XX e carruagens dos anos 30 fazem parte de um lote de sucata que a CP pôs à venda para demolição. Amigos dos caminhos-de-ferro contestam decisão. Locomotiva portuguesa “irmã” das que a CP quer demolir é considerado Monumento Nacional da República Francesa desde 1992.

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A existência de três locomotivas a vapor de via estreita e três carruagens “napolitanas” numa lista de 37 veículos ferroviários considerados sucata pela CP e que deverão ser vendidos para demolição, indignou os grupos de amigos dos caminhos-de-ferro que consideram aquele material de interesse histórico e museológico.

Em causa estão máquinas a vapor estacionadas há décadas nas estações da Régua e do Tua, compradas em 1913 e 1923 à fábrica alemã Henschell & Sohn, Kassel. Foram concebidas para caminhos-de-ferro de via estreita sinuosos, com curvas muito apertadas e rampas severas, como eram o caso das linhas do Tâmega, Corgo, Tua e Sabor, onde rebocaram comboios de passageiros e de mercadorias. Circularam também nas linhas de via estreita dos arredores do Porto e a partir de 1975 foram gradualmente abatidas do serviço.

Este tipo de locomotivas são únicas no mundo e só existiram em Portugal e no Caminho-de-Ferro Hedjaz, na actual Síria.

O seu interesse patrimonial é elevado tendo em conta que duas máquinas desta série foram adquiridas à CP por operadores turísticos franceses e uma delas é considerada desde 1992 Monumento Nacional da República Francesa. Trata-se da E211, propriedade hoje do GECP – Groupe d’Études pour le Chemin de Fer de Provence, em Nice, e que se encontra em estado de funcionamento.

Já as carruagens em questão chamam-se napolitanas porque foram produzidas em Nápoles e vendidas a Portugal em 1931 para fazerem serviços nas linhas do Porto à Póvoa do Varzim e do Porto a Guimarães. Mais tarde foram enviadas para a linha do Tua e saíram do serviço comercial em 2001 tendo ficado desde então parqueadas na estação do Tua.

Em Abril do ano passado a CP vendeu duas dessas carruagens para Espanha a fim de integrarem um caminho de ferro turístico.

“O abate destas carruagens de passageiros não faz sentido, em especial quando temos presente que, ainda recentemente, para o aproveitamento do que resta da linha do Tua o projecto privado [Douro Azul] teve necessidade de adquirir material rebocado novo no estrangeiro”, diz António Brancanes, presidente da APAC (Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro).

A maioria dos associados – que constituem uma opinião pública esclarecida sobre matérias ferroviárias – defende que seria preferível recuperar estas carruagens e colocá-las em serviço na linha do Tua em vez de material descontextualizado igual ao de uma qualquer Disneylândia. “Isso conferiria um charme mais atractivo, não só para os amantes da ferrovia portuguesa e da sua História, como também para o público em geral. É a diferença entre possuir um Picasso original ou uma sua réplica”, diz António Brancanes.

Contactada pelo PÚBLICO, a CP diz que nunca coloca para venda material circulante desactivado que tenha sido considerado de interesse museológico por parte da Fundação do Museu Nacional Ferroviário, a qual até já possui no seu espólio algumas carruagens napolitanas. Só que, no caso deste lote para sucata, nem o Museu Nacional Ferroviário nem nenhum particular mostrou interesse em adquirir este material.

Já quanto à possibilidade de o reabilitar para usar em comboios turísticos, como é o caso do Vouguinha, a CP diz que neste momento as oficinas da EMEF (Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário) não têm capacidade para reparar e manter a própria frota do serviço regular da empresa quanto mais o material histórico.

“Os serviços turísticos sazonais que a CP desenvolve são um esforço acrescido da empresa para a preservação do património histórico ferroviário. Não tem possibilidade, no momento atual, de aumentar este esforço com outras ofertas turísticas”, diz fonte oficial da empresa.

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