Um Monet desaparecido há 70 anos foi encontrado numa arrecadação do Louvre

Uma tela de Claude Monet acaba de ser devolvida ao Japão. Trata-se de um estudo do célebre pintor impressionista para a não menos célebre série dos Nenúfares. Estava perdido desde a Segunda Guerra Mundial e deram com ele em 2016, enroladinho, num armazém do museu francês. Só agora se soube.

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Nenúfares: Reflexos de Salgueiros terá sido pintada em 1916 e está hoje muito degradada Cortesia: Museu Nacional de Arte Ocidental, Tóquio

Ainda que a casa dos grandes artistas franceses do século XIX fique na outra margem do Sena – é no Museu d’Orsay que mora uma parte significativa da obra de pintores como Renoir, Degas, Sisley, Cézanne, Manet, Pissarro, Gauguin e, claro, Monet – o Museu do Louvre também tem alguns dos seus quadros nas paredes, o que não é de estranhar. O que é realmente inusitado é que, em 2016, numa das suas arrecadações, tenha sido descoberta uma tela de Claude Monet (1840-1926) pertencente a um coleccionador japonês e desaparecida há mais de 70 anos.

Trata-se de um dos estudos que o pintor impressionista fez para a sua célebre série dos Nenúfares, em 1916, e está muitíssimo degradado. Esta pintura de grandes dimensões – tem quatro metros de largura por dois de altura – a que falta já boa parte (na metade superior da tela há muitos elementos em falta) poderá ter-se perdido durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Estado francês decidiu arrestar 400 obras da colecção do empresário japonês a quem pertencia, Kojiro Matsukata (1865-1950).

Temendo pela segurança do acervo durante o conflito, Matsukata transferira uma parte da sua colecção para Paris, deixando-a à guarda do seu consultor para as artes, Léonce Bénedite, o então director do Museu do Luxemburgo, na capital francesa. Uma parte que depois seria confiscada a pretexto de se tratar de bens do inimigo.

Escreve o ArtNet, site especializado em notícias do mercado da arte, que a imprensa japonesa avança que Nymphéas, reflets de Saule (Nenúfares: Reflexos de Salgueiros), assim se chama o Monet que entretanto foi entregue ao Museu Nacional de Arte Ocidental, em Tóquio, foi encontrado por um investigador há um ano e meio, enrolado e aparentemente esquecido num pequeno armazém do Louvre.

Aquele museu japonês reconheceu, através de um comunicado, que a pintura precisa de ser cuidadosamente restaurada, mas que “o que ainda resta do quadro tem um tamanho significativo e, com o tratamento apropriado, tem o potencial de mostrar o maravilhoso trabalho de Monet”, cita a Agência France Presse (AFP).

“É uma obra valiosa e indispensável ao estudo de Monet”, disse o director do museu de Tóquio ao jornal japonês Asahi Shimbun, escreve o ArtNet.

Um amigo comum

O Museu Nacional de Arte Ocidental foi fundado em 1959 para acolher o que restou da fabulosa colecção reunida pelo armador e mecenas Kojiro Matsukata, um acervo que chegou a incluir dez mil obras mas que teve uma história trágica, sujeito a vendas coercivas no Japão, a um incêndio em Londres e ao tal arresto pelo Governo francês, que em boa hora mudou de ideias e o devolveu.  

Matsukata, que começou a coleccionar em Londres durante a Primeira Guerra Mundial, conflito que fez dele um homem ainda mais rico, e que deixou de comprar 11 anos mais tarde, quando as empresas que dirigia sucumbiram à crise económica, terá adquirido este estudo directamente a Monet, que visitou no seu atelier, explica-se no comunicado do museu nipónico, a que a AFP faz referência. O empresário e o pintor ter-se-ão conhecido por intermédio de um dos maiores estadistas franceses, Georges Clemenceau, um amigo comum.

O coleccionador comprou-o praticamente na mesma altura em que adquiriu outra das pinturas da série, hoje na colecção permanente do museu. Na ficha desta obra com 200,5 x 201cm, em perfeitas condições de conservação, é dito que faz parte do acervo de Matsukata desde 1922 e que foi incluída no lote de 400 peças arrestadas pelo Governo de Paris em 1944 e devolvidas ao Japão 15 anos mais tarde.

Quando Monet os fez – tanto o estudo agora devolvido como o quadro que está há quase 60 anos no Japão –, tinha já 76 anos e pintava nenúfares há quase 20. Pouco depois de completar os 50 começara a plantar um jardim na sua casa de Giverny, no Norte de França. Várias espécies de árvores e de flores rodeavam esta residência e muitas delas “entraram” nos quadros do artista. No entanto, foram os nenúfares e as constantes mudanças na superfície dos lagos do jardim, mediante as horas do dia e as condições do tempo, que mais o atraíram, levando-o a desenvolver uma série de trabalhos que abriria a porta à arte abstracta e que influenciaria decisivamente os expressionistas americanos.

Reza a lenda, conta o ArtNet, que quando se conheceram, em 1921, o empresário japonês que terá chegado a ter 25 pinturas de Monet na sua colecção passou para a mão do artista um cheque de um milhão de francos, rejeitando educadamente a sugestão de Georges Clemenceau, político que liderou a França durante boa parte da Primeira Guerra Mundial, de que o impressionista lhe fizesse um desconto.

A existência de Nenúfares: Reflexos de Salgueiros foi “esquecida”, pode ler-se no comunicado do museu de Tóquio, provavelmente devido ao facto de a pintura estar muito deteriorada. O Louvre, por seu lado, garantiu à AFP que “não fazia parte das obras da Colecção Matsukata inscritas nos inventários dos museus nacionais franceses na sequência da aplicação do tratado de paz com o Japão, em 1952”. E que foi com base nesses inventários que as obras deste acervo foram devolvidas para que em 1959 se pudesse inaugurar o Museu Nacional de Arte Ocidental de Tóquio.

Mal foi redescoberta, em 2016, o Louvre tratou de apurar, sem margem para dúvidas, a quem pertencia, chegando assim à conclusão de que fizera parte da colecção do armador japonês e tratando da sua devolução imediata.

O Museu Nacional de Arte Ocidental quer mostrá-la ao público a partir de Junho de 2019, já devidamente restaurada.

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