Banca teme “endurecimento” das regras financeiras no Parlamento

Proposta de lei de transposição de normas comunitárias de protecção dos investidores em produtos financeiros pode ser reforçada com sugestões dos partidos. Governo pede "bom senso".

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RG RUI GAUDENCIO

A proposta de Lei do Governo para transpor a Directiva 2014/65/EU, sobre mercados e instrumentos financeiros (DMIF II), entregue na Assembleia da República, vai além das exigências comunitárias em algumas matérias. Mas o “endurecimento” das propostas que pretendem evitar novos lesados da banca, como aconteceu no BES e no Banif, e restaurar a confiança no sistema financeiro, pode ir mais longe, o que preocupa não só o Governo, mas também a banca.

Vários partidos já apresentaram projectos de lei no domínio da directiva, de harmonização mínima, o que permite a densificação das medidas. E é nesse sentido que vão algumas das propostas, o que pode deixar os bancos portugueses numa situação de desvantagem competitiva face aos congéneres europeus, numa altura em que é cada vez mais fácil contratar serviços e fazer aplicações junto de bancos ou outros intermediários estrangeiros. Ao PÚBLICO, fonte governamental manifestou preocupação com algumas propostas que levantam problemas à própria transposição da DMIF II, em relação às quais o Executivo espera que “haja bom senso para não avançarem”.

Explica a fonte, que pediu para não ser identificada, que o Governo sentiu necessidade de ir mais longe na protecção dos investidores não qualificados, tendo em conta a realidade nacional, nomeadamente a elevada iliteracia financeira dos consumidores, mas alega que essas alterações “têm um custo marginal para os intermediários financeiros”. E acrescenta que, pese embora a recuperação dos bancos nacionais, “não se justifica que se caminhe para a introdução de medidas que ponham em causa a sua competitividade”.

A Associação Portuguesa de Bancos (APB) tem mostrado preocupação com o impacto da “montanha” de legislação e regulamentação da actividade financeira. Em resposta a questões do PÚBLICO, o seu presidente, Faria de Oliveira, refere que a reforma do quadro regulatório e de supervisão aplicável ao sector teve dois grandes objectivos: o reforço da estabilidade do sistema e o aumento da protecção do consumidor.

Mas deixa um alerta: “O que é completamente inconsistente com o objectivo nacional de fortalecimento do sector bancário é introduzir medidas mais penalizantes para os nossos bancos, quando estes entraram no novo quadro de regulação e da União Bancária em situação de clara desvantagem face aos pares europeus, devido à crise da dívida soberana”.

Propostas “duras” e “suaves”

Sobre o excesso de regulamentação, Faria de Oliveira destaca que “relativamente à estabilidade financeira, importa avaliar a eficácia do novo quadro e estabilizá-lo de modo a garantir que os bancos têm condições para se concentrar no negócio e um maior grau de certeza no planeamento a médio/longo prazo”. Acerca da protecção do consumidor, entende que “é importante avaliar se as novas regras estão a responder adequadamente a este objectivo”.

Sustenta ainda, e de forma a evitar prejuízos para os próprios consumidores, que, “em particular no caso nacional, onde já existia um quadro densificado em matéria de deveres de informação, importa garantir que a adopção dos requisitos europeus, que visam um level playing field [concorrência em condições de igualdade] em relação a todos os bancos europeus, é adequadamente compatibilizada com os requisitos já existentes”.

Na discussão sobre a proposta do Governo, na quinta-feira, a deputada Inês Domingues, do PSD, manifestou disponibilidade do seu partido para propor “melhorias” durante a discussão na especialidade, mas defendeu que “será importante que não se vá muito mais além da directiva”.

A proposta de transposição da DMIF II entrou na fase da discussão na especialidade, na Comissão de Orçamento e Finanças. Nesta comissão já se encontram mais de duas dezenas de projectos de lei dos partidos em matéria de supervisão e protecção dos investidores, a que se deverão juntar outros.

Entre as propostas mais “duras” destaca-se a do Bloco de Esquerda (BE) que pretende que aos balcões comerciais da banca apenas possam ser comercializados produtos abrangidos pela protecção do fundo de garantia dos depósitos. Todos os restantes produtos devem ser vendidos em balcões específicos ou em plataformas online. Mais “suave” é a do CDS, que propõe também a comercialização de produtos ou instrumentos financeiros (não depósitos) em local específico, mas dentro dos balcões tradicionais. O CDS também quer que os gestores de conta não tenham contacto directo com os clientes quando se trata de produtos de risco. O BE quer ainda proibir a comercialização de valores emitidos pelos bancos ou entidades relacionadas.

A maioria das propostas visa matérias abrangidas pela DMIF II, nomeadamente em relação aos deveres de informação, à formação dos funcionários ou à eliminação de conflitos de interesse. Para acelerar a discussão da directiva na especialidade, que deveria estar transposta em Julho do ano passado, e entrar em vigor no início do corrente ano (o que já exigiu um pedido de explicações por parte de Bruxelas), foram divididas as propostas em dois grupos, as que se cruzam directamente com a DMIF II e as que, embora próximas, envolvem uma alteração dos poderes dos supervisores financeiros, matéria em que o Governo se prepara para introduzir alterações.

Nos próximos dias começarão as primeiras audições, a dos três supervisores - Banco de Portugal, CMVM e a Autoridade de Supervisão dos Seguros - e do Governo.

O desejo do Executivo, que não está sozinho no atraso da transposição, é que o processo esteja concluído até ao Verão, de forma a evitar um procedimento comunitário por infracção.

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