Viajando por Portugal na moda

À porta dos restaurantes as placas informam: “reservado o direito de admissão”. As placas tanto podem ser destinadas aos mendigos como aos rafeiros que os acompanham.

Visão de um viajante que revisita Lisboa em 2018, depois de cá ter estar estado em 2000, ano da entrada em vigor da nova moeda europeia. Nessa altura constatou que o júbilo popular era tão grande que toda a gente se pôs a pedir dinheiro a juros baixos que acabaram na bancarrota das famílias da classe média. A felicidade estava num balcão em apelos de “seja dono do seu lar a preços da uva mijona”.

O que o viajante registou na revisitação a Lisboa?

Que as excursões de turistas entopem as ruas da Baixa como peregrinos em busca da terra prometida trazidos por curiosos veículos a que chamam “tuquetuque” e que atravancam as ruas onde os desgraçados cidadão que pagam impostos suam as estopinhas para chegar ao trabalho.

Que proliferam hotéis em cada esquina da Baixa pombalina, nos bairros populares, e que não há apartamentos baratos para alugar. Os antigos habitantes, muitos deles idosos, com rendas baixas, foram despachados como tralha velha para a periferia das cidades divertindo-se, no regresso à capital, em filas intermináveis de carros circulando a passo de caracol. São famosos os engarrafamentos no IC19 e na travessia da Ponte 25 de Abril.

Lisboa é hoje, segundo os dirigentes, comerciantes de hotéis e proprietários de quartos de rendas altíssimas, a capital europeia que está mais na moda. E estará ainda mais na moda enquanto o interior do país negro das chamas dos incêndios continuar fora de moda.

Mas a maior surpresa do viajante é ver que agora é possível entrar num restaurante acompanhado do seu animal de estimação, que pode ser um cão, um gato, uma iguana, um crocodilo ou um leão amestrado. Dinossauros ainda não!

À porta dos restaurantes as placas informam: “Reservado o direito de admissão.” As placas tanto podem ser destinadas aos mendigos como aos rafeiros que os acompanham. A prioridade desta sociedade invertida é um cliente poder sentar-se à mesa com, imaginem um buldogue, e pedir um menu para o cliente e para o animal enquanto este sacode as pulgas para cima do prato do vizinho.

É curioso verificar que os sem-abrigo, grupo numeroso de infra-humanos, continuam a viver miseravelmente nas entradas das gares, prédios, debaixo das pontes, etc., etc. Lisboa até tem dias consagrados aos sem-abrigo, especialmente quando as temperaturas baixam consideravelmente. Nessa altura, a sopa quente, batatas com bacalhau e o lugar no metro ou abrigos de ocasião estão assegurados. Passado o frio, o sol é a garantia de que podem ser novamente ignorados até à próxima descida da temperatura.

Começa a pensar-se numa operação de marketing para incrementar o turismo que tanta falta faz à economia portuguesa. Traga o seu cão ou animal de estimação e beneficie de um desconto para uma estadia de cinco dias e lugares reservados nos restaurantes para o seu acompanhante de quatro (ou mais ou menos) patas. Os mendigos não entram e ficam à porta das igrejas a pedirem por amor de Deus.

Não há dúvida de que Portugal está em alta astral. Os desgraçados sem emprego, certo ou precário, e sem abrigo são uma ameaça ao sucesso de uma sociedade que considera prioritário os animais dignos de sentarem à mesa do “restaurante o abrigo dos animais” em lugar de erradicar a fome e a pobreza de milhares de deserdados da fortuna.

É pena que muitos animais sejam abandonados à entrada dos canis, superlotados ou abandonados nas auto-estradas, pelos seus misericordiosos donos, à espera de que uma morte de cão os leve deste mundo.

Tudo visto e registado, o viajante regressa a casa, e vai rezar a S. Francisco de Assis, o santo da pobreza, para que ilumine os autores da prioridade aos animais e o desprezo pelos humanos.

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